Câmara de Lisboa ganha almofada financeira de milhões
A Câmara de Lisboa ganhou ontem uma inesperada almofada financeira, com a decisão do Tribunal Administrativo Sul de anular a pesada indemnização de 240 milhões de euros à Bragaparques, estipulada por um tribunal arbitral há quatro anos. Um acórdão definitivo, que não é passível de recurso, num processo que remonta a 2004, com a permuta dos terrenos do Parque Mayer e da antiga Feira Popular, em Entrecampos.
Uma decisão que surge meses antes das eleições autárquicas e que o presidente da autarquia, o socialista Fernando Medina, comentou já em tom de pré-campanha eleitoral, falando numa "grande vitória" do "interesse público e da cidade face a um "ato irrefletido" de uma gestão "imponderada da última governação do PSD" em Lisboa. Um tempo de "erros de governação clamorosos", criticou o autarca, insistindo na associação do negócio do Parque Mayer aos sociais-democratas: "Ainda estamos a lidar com os problemas criados nessa altura, numa governação de má memória para a cidade de Lisboa". Um "momento negro", qualificou Medina, lembrando que este caso levou à queda do executivo de então, deixando a cidade sob gestão de uma comissão administrativa. Num exemplo contrário, argumentou, na "última década o passivo da câmara baixou de cerca de 2000 milhões de euros para cerca de 650 milhões de euros".
Visivelmente satisfeito com a folga orçamental que esta decisão do Tribunal Administrativo Sul traz aos cofres camarários, Medina prometeu reforçar os apoios à economia da cidade, para fazer face às consequências da pandemia. "Esta decisão vai permitir libertar recursos para irmos ainda mais longe naquele que é o programa municipal mais ambicioso em todo o país, o Lisboa Protege" (o plano de apoio face aos efeitos da pandemia), que abrirá uma terceira fase. O autarca - que nunca especificou o valor desse reforço - afirmou que os apoios municipais aos setores mais afetados aproximam-se, nesta altura, dos 200 milhões de euros.
Sob a ameaça de ter que desembolsar os quase 240 milhões estipulados pelo tribunal arbitral em 2016, a câmara de Lisboa reservou nos últimos anos uma verba de cerca de 200 milhões de euros para fazer face ao pagamento da indemnização, caso o desfecho fosse favorável à Bragaparques. O montante já não está intacto, dado que é deste "pé-de-meia" que têm saído os apoios à pandemia, mas pode agora ser mobilizado sem a sombra da indemnização. "O que esta decisão nos vai permitir é reduzir esta reserva de contingência, reduzi-la ainda mais e fazer investimento adicional", disse ontem Fernando Medina. João Paulo Saraiva, vice-presidente do município, já tinha admitido que caso se confirmasse o valor a pagar à Bragaparques, a câmara teria de "alienar ativos" ou "recorrer à banca".
Segundo afirmou ontem Medina, o processo volta agora à fase de abertura de um tribunal arbitral, para "apuramento das verbas finais resultantes do litígio que ocorreu durante a década passada", mas na "certeza" de que a decisão terá de respeitar os termos do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, nomeadamente quanto à "nulidade dos negócios" feitos em 2005.
O caso Bragaparques remonta a 2004, quando a câmara acordou uma permuta de terrenos que implicava a cedência do Parque Mayer (que era propriedade da empresa) ao município, em troca de terrenos municipais em Entrecampos, no local da antiga Feira Popular. O caso rapidamente acabou nos tribunais e viria a provocar a queda do executivo de Carmona Rodrigues, em 2007, abrindo caminho a umas eleições intercalares que ditaram a vitória de António Costa. Em 2014, o executivo de Costa chegou a acertar um acordo que previa o pagamento à empresa de 100 milhões, mas a Bragaparques avançou com o pedido de um tribunal arbitral, exibindo ser ressarcida pelos lucros perdidos e exigindo uma indemnização superior a 300 milhões de euros. A decisão viria a dar razão à empresa, estipulando uma compensação de 139 milhões - da qual a câmara recorreu e que foi agora anulada.
Ontem, Fernando Medina avançou que o Parque Verde da futura Feira Popular, em Carnide, deverá ficar concluído "antes do verão". Já no que se refere à feira propriamente dita, acrescentou que espera lançar o concurso de concessão "ainda durante o atual mandato". Num e noutro caso, o presidente da câmara de Lisboa justificou os atrasos com a covid-19, defendendo que seria difícil aos investidores comprometerem-se com um investimento de muitos milhões num parque de diversões em plena pandemia. O Parque Verde de 20 hectares que vai acolher a nova feira chegou a ser anunciado para o final de 2018, mas tem sofrido sucessivos atrasos.