Câmara de Lisboa deixa cair projeto da sala de chuto

Medina deverá optar por outras soluções. Bloco de Esquerda interpreta desistência com o facto de haver autárquicas para o ano
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Fernando Medina deixou cair a proposta do Bloco de Esquerda de criar uma sala de consumo assistido de drogas (vulgo, sala de chuto) ainda este ano. Segundo soube o DN, o projeto está parado, sem datas previstas nem locais decididos, e a estratégia futura poderá passar mais por reforçar as equipas de rua que dão apoio aos toxicodependentes. Modelos que serãodiscutidos hoje, nos Paços do Concelho, no primeiro encontro internacional sobre comportamentos aditivos e dependências.

O Bloco de Esquerda (BE) avisa que não vai, no entanto, desistir do projeto de um espaço onde os toxicodependentes possam consumir droga em condições de higiene e segurança. Para o deputado municipal do BE Ricardo Robles, que se tem batido publicamente pela criação de uma ou mais salas de chuto em Lisboa, a aparente desistência do executivo PS não surpreende, dado o calendário eleitoral. "Há de facto um recuo e penso que está relacionado com as autárquicas do próximo ano. Por volta de maio ou junho, Fernando Medina disse na assembleia municipal que não havia data nem local para a criação de uma sala de consumo assistido".

Isto depois de, ao longo do primeiro trimestre do ano, ter sido divulgada uma primeira localização no bairro da Mouraria, de essa ter sido abandonada, e se ter avançado para uma possível segunda localização, na freguesia do Lumiar. O BE acreditava, em março, que uma sala de consumo assistido iria ser criada ainda este ano no Lumiar. O cenário atual está longe desse. O vereador dos Direitos Sociais, João Afonso, não admite ao DN que haja um recuo e insiste que a proposta continua a ser discutida, "mas não há uma data nem um compromisso em relação à criação de uma sala de consumo assistido numa determinada zona".

Não significa, sublinha, que não "continue a haver um grande problema de dependências na freguesia do Lumiar e que não seja necessário intervir ali". Com a crise social e económica que o país atravessou, lembra, "registou-se um aumento dos consumos de várias substâncias". A resposta aos toxicodependentes, quando se fala numa sala de consumo, teria de incluir "os injetáveis, os inaláveis, o álcool, entre outros". Porque o padrão de consumo já não é só o do heroínómano da década de 80 do século passado. E para João Afonso não se pode falar em criar uma ou mais salas de consumo assistido na cidade "sem se falar da prevenção e apoio e do trabalho com a comunidade, com todos os que sofrem com o problema da toxicodependência e não apenas com os consumidores".

Do Lumiar ao Intendente

Os locais de Lisboa onde se consomem drogas a céu aberto estão identificados. Para além do Lumiar, há focos em Alcântara, Anjos e Intendente. "Podemos pensar também em outro modelo de intervenção com as equipas móveis. Mas vamos ter de assumir uma resposta, porque é preciso reforçar o apoio aos toxicodependentes nestes locais, nomeadamente aos que querem reduzir ou até deixar os consumos de droga", acrescenta. O facto de hoje decorrer em Lisboa um encontro internacional sobre dependências é "uma resposta à recomendação do Bloco de Esquerda de dicutirmos de forma aberta vários modelos de intervenção e por isso convidámos também responsáveis por salas de consumo assistido que existem noutros países".

João Goulão, coordenador do SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências - que também participará no encontro internacional hoje, é mais cauteloso em relação às salas de consumo assistido do que foi no passado. "Temos hoje, para além de utilizadores de heroína, consumidores de crack, de anfetaminas e de novas substâncias psicoativas que não procuram o contacto com os serviços. É uma realidade mais complexa". João Goulão entende que a criação de uma ou mais salas de chuto "não pode ser uma resposta a pressões políticas". "Quando as salas de consumo assistido eram indispensáveis não tivémos as condições políticas para as abrir. Quando houve condições políticas verificou-se um decréscimo do consumo por via injetável, pelo que, abrir salas agora pode ser um sinal errado que se está a dar à sociedade". O coordenador do SICAD diz continuar a acreditar na "bondade do dispositivo (sala de consumo assistido) mas não tem certeza de que esta seja a melhor forma de enquadrar o recrudescimento que houve da heroína com a crise económica e social.

Já o deputado Ricardo Robles, do BE, tem a certeza de que é a melhor solução:"Melhor do que uma sala de consumo assistido seriam várias: uma no Lumiar, outra em Alcântara e outra no centro".

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