Calendário para um acordo de rendimentos derrapa novamente
O governo garante que não há recuos, mas o calendário para um acordo de rendimentos e competitividade tornou a derrapar. Pensado para 2020, ficou travado pela pandemia. Voltou a ser esperado em junho deste ano, mas as expectativas foram postas em suspenso até outubro. E, agora, deixou de haver "ponto de chegada". "Estimamos concluir este processo quando houver condições para que isso aconteça", diz ao DN/DV Miguel Fontes, secretário de Estado do Trabalho, a liderar o processo.
Para esta quarta-feira estava prevista reunião da Comissão Permanente de Concertação Social sobre o assunto, após reuniões em grupo de trabalho que, afinal, tiveram a sua primeira sessão só na última sexta-feira. Era a perspetiva no início de maio, quando o governo relançou o debate com os parceiros sociais, com dez áreas para explorar. Entre estas, referenciais de atualização salarial em negociação coletiva, impostos, rendimentos não salariais, apoios à inovação e medidas para reduzir custos de contexto das empresas. Temas sobre os quais ainda não há consenso, e que poderão ainda cair ou sofrer acrescentos no processo, que prosseguirá em julho e em setembro, com interrupção em agosto.
As reuniões serão "tantas quantas as que se venha a verificar serem necessárias" e o acordo irá a Concertação "quando já estiver num ponto de maturação que justifique levá-lo", ficando até lá "sob total reserva e discrição", segundo Miguel Fontes. Ou seja, sem declarações a jornalistas e ao público.
A demora, entretanto, é explicada pelo governo com o tempo necessário para a indicação de representantes nos trabalhos pelos parceiros sociais e com a discussão da proposta de alterações às leis laborais. Mas não põe em causa um acordo de médio prazo com o horizonte da legislatura, mesmo sem garantias de que o processo fique concluído até outubro, a tempo da proposta de Orçamento para 2023. "Esse compromisso está exatamente no mesmo ponto em que estava antes. Não houve nenhum retrocesso", defende.
A justificar o desaparecimento da meta de outubro, avançada pelo primeiro-ministro, António Costa, o secretário de Estado defende agora que "a pior coisa" num processo negocial "é ter à partida já um ponto fechado relativamente ao ponto de chegada".
Já a aceleração da inflação, com reptos à contenção das atualizações salariais em torno dos 2% por parte do Banco de Portugal, não é assumida como obstáculo. "Estamos a fazer um acordo para este horizonte temporal, até 2026, e ele vai ter de incorporar aquele que é o momento que estamos a viver, nas potencialidades e dificuldades".
O governo admite, no entanto, que um cenário de ausência de acordo até ao momento da apresentação da proposta de Orçamento para 2023 não inviabiliza necessariamente avanços. Nomeadamente, fiscais. "Se determinadas matérias já estiverem concluídas a ponto de serem vertidas na sua concretização numa proposta de lei que tem que ver com o Orçamento, serão. Se não, obviamente o calendário ter-se-á que ajustar a essa situação", responde Miguel Fontes.
No programa do governo, prevê-se que o acordo de rendimentos traga "redução progressiva das taxas de IRS para todos os que venham a beneficiar dos aumentos de rendimento", "a fim de assegurar a neutralidade orçamental da melhoria do rendimento". Preveem-se também "ajustamentos necessários à estrutura" do IRS e " à estrutura do IRC que favoreçam as boas práticas salariais das empresas, em termos de valorização dos rendimentos e de redução das disparidades salariais".
Além da fiscalidade, o governo tem também apontado para rendimentos não salariais, lembrando medidas como o programa de apoio à redução de tarifas de transportes públicos ou gratuitidade faseada das creches. O prato forte de um acordo de rendimentos será, no entanto, sempre a definição de referenciais para atualizações de salários em contratação coletiva, segundo a tradição de entendimentos anteriores em Concertação Social.
Com uma agenda de temas por definir e sem prioridades assentes, a ideia será avançar primeiro nas matérias mais fáceis. "Aquilo que gerar mais facilmente acordo e consenso vai para um dos lados da mesa e avançamos, está consolidado. Aquilo que manifestamente percebamos que não há consenso terá de ficar fora do acordo", diz o secretário de Estado sobre as discussões nas quais participam também os ministérios das Finanças, Economia e Agricultura.
Para já, defende, há "total empenho e disponibilidade para a construção de propostas" por parte dos parceiros. Mas muitas estarão em conflito num acordo que não se avizinha fácil. "Não desistiremos até que se torne evidente que não há condições para o acordo", diz.
jornalista do Dinheiro Vivo