Cadernos de capa preta são mais do que uma memória

Firmo. A empresa criada em 1951 e vendida na década de 90 a uma multinacional francesa voltou à família Santos Carvalho, pelas mãos dos sobrinhos-netos do fundador
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O cheiro a papelaria abunda na fábrica de Vila Nova de Gaia, onde grandes bobines de papel são transformadas em cadernos e envelopes de tamanhos e feitios variados. Numa das mesas destaca-se um dos artigos mais conhecidos: o caderno de capa preta. Noutra, as pastas arquivadoras e os cadernos de estudo. A Firmo é a prova de que as novas tecnologias ainda não mataram o papel.

Do alto do armazém, onde um corredor de janelas de vidro conduz aos escritórios, Rui Santos Carvalho conta a curiosa história da empresa que nasceu em 1951 no Porto, esteve quase 15 anos nas mãos de franceses e voltou recentemente ao seio familiar - a si e a três outros irmãos.

Corria o ano de 1951 quando Firmino Santos Carvalho, tio-avô dos quatros irmãos, abriu a pequena fábrica e o armazém com venda ao público no centro do Porto. O negócio cresceu e passou para a segunda geração. Era Manuel Santos Carvalho, pai de Rui Santos, o responsável pela Firmo quando, na década de 1990, uma multinacional francesa lhe fez a proposta de compra. "Custou muito, mas era um excelente negócio."

Manuel Santos Carvalho manteve-se como administrador não executivo da empresa. Paralelamente, iniciou em 1998 a exploração de uma fábrica de produção de envelopes em Vila Nova de Gaia, a AVS. Os filhos estiveram desde sempre habituados ao cheiro do papel, mas seguiram as suas profissões - três nas áreas de finanças e economia, outro tirou Direito.

Com a morte do pai, os quatro irmãos tinham duas opções: entregavam-se à AVS com uma escala menor, ou diversificavam e cresciam em dimensão. "Decidimos ficar com a empresa, mas com a noção de que tínhamos de variar os produtos." Era difícil uma empresa de envelopes, por si só, sobreviver à era dos e-mails. "Então começámos negociações com a Antalis para tentarmos comprar novamente a Firmo, uma vontade que já tinha sido do meu pai."

Em Março deste ano, conseguiram finalmente readquirir a Firmo sem passivo e com resultados operacionais positivos. Rui e o irmão Miguel (e um quadro da empresa) assumem a administração da empresa a tempo inteiro, os outros dois irmãos são administradores não executivos e mantêm as suas profissões. "Quando voltámos, encontrámos funcionários que trabalhavam para o meu pai antes de a Firmo ser vendida, e que ainda cá continuam."

Na cedência da empresa familiar a uma multinacional consegue-se encontrar vantagens e desvantagens. Se por um lado os funcionários herdaram o hábito das regras e o cumprimentos de regulamentos dos patrões franceses, por outro faltava a ligação mais "próxima" entre a hierarquias.

Mais do que a era das novas tecnologias, a crise assusta mas não atormenta estes empresários. "Vamos apostar na exportação, estamos focados na África e no Brasil." A exportação representa já 15% do volume de negócios. Mas a Firmo está disposta a fazer disparar estes valores.

Os produtos escolares e o material de escritório somam já os sete mil artigos diferentes. Entre eles permanecem os que ficaram na história da empresa, cadernos de capa preta, a Sebenta e os cadernos Estudo. A produção é toda feita ali, na fábrica de Vila Nova de Gaia, à excepção das capas - feitas numa outra firma da especialidade - e das capas dos arquivadores. Além desta fábrica, a Firmo possui ainda dois espaços de cash & carry no Porto e em Lisboa.

Na fábrica é hora de almoço, e as máquinas que transformam as bobines de papel em cadernos quadriculados, de linhas ou lisos, estão paradas. Ao lado da porta de saída, onde as visitas devolvem o colete de sinalização fluorescente, estão afixadas notícias sobre a reaquisição. Os funcionários não deixam passar nada em branco.

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