Cada vez mais um país festivaleiro
Ir a um festival já foi uma aventura. Exigia planeamento, transporte, tenda, cozinha de campismo e muita preparação mental para duches frios, filas para a casa de banho, para a comida e para as entradas no recinto. Tempos houve em que nem se podia dispensar uma máscara contra o pó e em que conseguir uma cerveja era uma tarefa hercúlea. Hoje, quando os mais antigos festivais portugueses já passaram as duas décadas de existência e o Rock in Rio celebra 30 desde a primeira edição no Rio de Janeiro, tudo mudou. Há pacotes especiais de transportes públicos, o controlo de entradas funciona, sobram bancadas de patrocinadores com os mais variados kits de sobrevivência, há casas de banho para todos os gostos, duches com água quente nos parques de campismo temporários e até simpáticos vendedores ambulantes de bebida e comida. "Há 20 anos as pessoas tinham medo de ir a festivais e a concertos porque as coisas não estavam bem organizadas. A credibilidade que se ganhou tem ajudado", diz ao DN Álvaro Covões da Everything is New.
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Carisma vs. marisco
De um lado, perdeu-se o carisma e a aventura, do outro ganhou-se em conforto, em público e na quantidade de oferta. "As pessoas querem qualidade. Se no Primavera Sound é possível ter marisco e vinho a copo, temos. Tentamos sempre melhorar, ainda há pouco falávamos de ter espelhos para as senhoras se pintarem. A ideia é que se sintam em casa ou como num hotel e que tenham vontade de voltar", diz João Carvalho, promotor do Primavera Sound e do Paredes de Coura, o mais galardoado dos festivais no ano passado. "Ganhámos quatro prémios, o do festival de maior dimensão, melhor cartaz, melhor não urbano e melhor campismo", congratula-se.
No ano passado as melhorias em Paredes de Coura nem foram a maior novidade. Ao fim de várias edições na Praia do Meco, em 2015 o Super Bock Super Rock (SBSR) voltou a Lisboa, desta vez para assentar arraiais entre a Meo Arena e o Pavilhão de Portugal. "O SBSR é um festival de música urbana e que tem um público muito exigente, conhecedor de música. O pavilhão de Portugal, as escadarias da Meo Arena, o metro à porta e o aeroporto a cinco minutos fazem da área um espaço muito competitivo face ao que há na Europa", explica Luís Montez, proprietário da Música no Coração. Agora, feito o estudo de mercado que comprovou a resposta "muito positiva" à mudança, o espaço vai ser alargado até ao rio e o promotor espera que o festival por lá fique "vários anos".
Supercartaz no MEO Sudoeste
Igualmente responsável pela organização do MEO Sudoeste, Montez também prepara "um supercartaz para os 20 anos do festival" - promete novidades para o início de 2016 - que tem um público "mais jovem, que valoriza o convívio, a praia e gosta de campismo. É um festival de verão. O SBSR é um festival de música para quem está atento às coisas novas, mais adulto e que já não tem muita pachorra para acampar", diz.
E para Lisboa, Montez também não quer facilitar a vida à concorrência. Depois de Jamie XX, The National e Bloc Party, foi Kendrick Lamar anunciado como cabeça de cartaz. "Começámos a negociar em setembro quando anunciou que ia andar em digressão. Depois começaram a sair as listas dos discos do ano e como ele aparecia sempre em primeiro fizemos um forcing com o festival espanhol Benicassim para ter uma oferta forte. Também lhe demos o estatuto de cabeça de cartaz que é importante. Com a oferta conjunta com Espanha vem cá e num fim de semana fica rico."
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Todos melhoraram
"Todos os festivais melhoraram as suas condições. Depende muito dos orçamentos disponíveis, mas também se exige mais", diz Covões, que, vendo hoje "uma maior apetência para o consumo de música ao vivo", não teme a proliferação de festivais de maior ou menor dimensão. "O mercado seleciona. Às vezes pode ser injusto, mas por norma o que é bom cresce e o resto desaparece", vaticina. Também João Carvalho lembra que é o seu o mais antigo dos festivais. "Estamos cá há 23 anos. Mas cada um deve ter a sua filosofia e o seu estilo musical", diz. Montez faz as contas: "Um bilhete de festival com um avião low-cost fica muito mais barato do que para Inglaterra, Alemanha ou mesmo França. Quando descobrirem a beleza do nosso país, as coisas mudam e terão tendência a crescer."