Havia lágrimas nos olhos de alguns moradores do bairro quando a Policia Judiciária (PJ) levava Semedo para o carro da polícia na passada terça-feira. Mas não eram lágrimas de tristeza, seriam de alívio..Aquele jovem de 16 anos há alguns meses que atemorizava os vizinhos ou quem se lhe atravessasse no caminho. Houve até quem agradecesse aos inspetores da PJ. "Até que enfim que o levam!", desabafaram, segundo contou ao DN uma fonte judicial que participou nas buscas..Semedo é mais um daqueles casos que a Comissão de Prevenção de Delinquência Juvenil sinalizou como um dos que "o sistema não obrigou a parar" enquanto era tempo..Foi esse agora, o papel, já em fim de linha, da PJ. Foi detido por suspeita de três tentativas de homicídio - dois deles sobre o mesmo alvo, de 20 anos - que, só por sorte das vítimas, não foram consumados, embora o último deles, a 16 de outubro, ainda esteja hospitalizado em estado grave ..Pelos vestígios das munições, os investigadores identificaram, até agora, três armas diferentes que terão sido usadas nos disparos - duas caçadeiras, uma delas de canos e coronha serrados, e uma pistola calibre 7,65 mm. Mas quando o surpreenderam, de manhã cedo, no quarto de sua casa, para o deter, os inspetores já sabiam que havia outras duas "armas", estas vivas: dois cães de raça pitbull, que foram de imediato dominados e fechados noutra divisão a ladrar furiosamente.."Já íamos preparados para essa eventualidade", admite uma outra fonte policial. Semedo, não terá sequer reagido e seguiu à frente dos polícias até ao carro..O cenário dos crimes terá sido uma rua comprida, com cerca de 800 metros, já conhecida pelo tráfico de droga, a Estrada Militar, na área da Damaia. Semedo estaria em ascensão na venda de estupefacientes, principalmente haxixe.."Tinha a fama de ser um miúdo destemido, frio, sem pejo em disparar para matar. Para as organizações criminosas de tráfico de estupefacientes estes jovens podem tornar-se uns bons pontas-de-lança. São novos, ágeis, conhecem bem os locais e estão predispostos. Este jovem, como acontece com muitos outros, mas noutros contextos, entrou num processo de auto deslumbramento, sentia-se poderoso, tinha armas e proteção. Mas era um herói tonto, que foi fazendo asneira atrás de asneira, cada vez com maior gravidade e, quando dá por isso, está na cadeia. Estes casos são mesmo uma questão de tempo para serem apanhados", descreve um dos inspetores que acompanha estes processos..Semedo é, sem dúvida, um daqueles jovens que, para a Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e Criminalidade Violenta (CAIDJCV), "o sistema não obrigou a parar". Os casos até podem ser sinalizados, mas enquanto são menores de idade e inimputáveis (até aos 16 anos) o sistema demora a reagir, entre tribunais de menores e as medidas tutelares educativas..Citaçãocitacao"O tempo vai passando, a gravidade vai aumentando e não acontece nada. Neste caso só não houve mortes por mera casualidade. Ele agora está a acordar e vai olhar para a sua vida e ver o quanto o seu futuro ficou marcado"."O tempo vai passando, a gravidade vai aumentando e não acontece nada. Neste caso só não houve mortes por mera casualidade. Ele agora está a acordar e vai olhar para a sua vida e ver o quanto o seu futuro ficou marcado", sublinha um inspetor..No último relatório da referida Comissão, é assinalado que estes menores de idade "começaram a praticar crimes muito jovens e nunca tiveram a perceção da mensagem que o sistema de Justiça queria transmitir", o "sistema não os obrigou a parar" pelo que, quando intervém (Sistema de Justiça), é já com grande severidade "..A socióloga do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Maria João Leote de Carvalho, que integra a CAIDJCV, assinala que "é raro aplicar-se uma medida de prisão preventiva a jovens de 16 anos, a não ser que os factos em causa sejam extremamente graves, como parece ser o caso. Aqui o objetivo principal é travar a escalada de violência, que terá começado muito mais cedo, com outro tipo de ações"..Esta investigadora académica da delinquência juvenil sublinha que percursos como o de Semedo ainda são "exceção pela sua gravidade e pelo perigo que representa a sua presença na comunidade. Não é só o alarme social que está em causa, há também que proteger a comunidade deste jovem para quem, aparentemente, a vida do outro nada representa"..Citaçãocitacao"Ter este arsenal de armas e, ainda os cães é um patamar em que a crueldade está muito presente, porque nestes contextos usam os cães como armas, treinados para aterrorizar e matar". .Maria João Leote de Carvalho salienta que "ter este arsenal de armas e, ainda os cães é um patamar em que a crueldade está muito presente, porque nestes contextos usam os cães como armas, treinados para aterrorizar e matar"..A importância de sinalizar precocemente os casos como o de Semedo, foi "amplamente sublinhado nas diversas audições" da comissão de delinquência juvenil, "de modo a minimizar a probabilidade de surgimento de percursos de desvio, tendo sido reiterado que se deve atuar perante os primeiros sinais, designadamente em contexto escolar, de forma a evitar uma escalada na gravidade das situações e seu impacto, quer ao nível da vida dessas crianças/jovens e suas famílias, quer ao nível da comunidade"..Semedo, que parecia não ter medo, terá tempo para refletir enquanto aguarda o julgamento e depois, caso seja condenado, no que realmente ganhou e em tudo o que já perdeu.