Imparcialidade. Este o principal trunfo do livro de Lynne O'Donnell, Fim de Tarde em Mossul, que não toma partido por nenhum dos lados da contenda iraquiana. Tanto critica o ditador Saddam Hussein, como fustiga os americanos e os britânicos..Murros no estômago: "Saddam, numa postura de desafio, o povo a sofrer, crianças a morrerem. Um coveiro em Bagdad.".Mais: "Ocasionalmente, durante a década de 1990, os meios de comunicação internacionais relatavam o que estava a acontecer no Iraque, mas, de modo geral, a sua desgraça escorregava para o miasma das sagas de longa duração.".Para os grandes do mundo, a admoestação: "A justificação ideológica em Londres e em Washington para a guerra de 2003 era a suposição - que se demonstrou posteriormente estar baseada em informações que os seus promotores sabiam serem falsas - de que o Iraque constituía uma ameaça ao mundo ocidental.".Néscios, olhando só para os respectivos umbigos. "Cegos como estavam pelo seu próprio sentimento de superioridade moral e preocupados com a tarefa de vender a sua iniciativa a um eleitorado cada vez mais céptico, os líderes da coligação encontravam-se intelectualmente mal preparados para o resultado das suas próprias acções. Possuíam um entendimento limitado da realidade da tirania e pareciam acreditar genuinamente que o povo iraquiano poderia simplesmente descartar a camisa-de- -forças da ditadura que os tinha manietado durante tanto tempo e passar de imediato a um Estado mo- derno, democrático, pacífico e tolerante." Santa ignorância! Maldita ignorância!.Numa linguagem acessível, sem rodriguinhos, a autora faz-nos, a espaços, "ver" o quotidiano nos dias de guerra e nos muitos que os precederam pelos olhos de Pauline Basheer e Margaret al-Sharook, duas britânicas, que, há décadas tinham trocado o nevoeiro pelo deserto. O Norte de Inglaterra pelo Norte do Iraque. Ficaram a ganhar: "A paisagem é de cortar a respiração." O Iraque, Mossul, também é (era) isto..O quotidiano de que o livro "fala" é banal, exceptuando uma ou outra excentricidade culinária, como a patcha, cabeça de carneiro cozida com todos os condutos, incluindo os respectivos intestinos e dois estômagos do dito, uma chávena de grão-de-bico ("demolhado de véspera"), duas chávenas de arroz, meio quilo de carne picada, e outro de costeletas, coentros, cominhos, sal e pimenta preta. Cozer em lume moderado. Servir com limão. Que tal, para abrir o apetite?|