Bush contra Ben Laden nas ruas de Mogadíscio

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Quem viu Black Hawk Down, um popular filme de Ridley Scott, terá ideia aproximada do que se passou naquele 3 de Outubro de 1993 em Mogadíscio. Durante uma missão, dois helicópteros americanos são abatidos pelos milicianos de Mohammad Farah Aidid, um dos senhores da guerra somalis. Depois, os cadáveres de 18 marines serão arrastados pelas ruas de Mogadíscio, com as imagens televisivas dessa humilhação a levarem os Estados Unidos a desistirem da intervenção pacificadora no Corno de África. Esta semana, e passados 13 anos, os Estados Unidos terão sofrido nova derrota na Somália, com os senhores da guerra, agora transformados em aliados, a perderem o controlo da capital para uma milícia islamita, pejada de suspeitos de ligações com a Al-Qaeda de Ussama ben Laden.

Resultante da fusão de um protectorado britânico e de uma colónia italiana, a Somália tornou-se independente em 1960. Depois, durante mais de duas décadas, foi governada por Mohammed Siad Barre, ditador de inspiração marxista que perdeu todo o prestígio quando tentou invadir a Etiópia e foi derrotado pelo vizinho, outro Estado pró- -comunista, apoiado militarmente pela União Soviética e Cuba. Barre resistiu mais 14 anos no Poder, mas em 1991 foi derrubado por uma coligação de senhores da guerra, chefes de clãs somalis. Desde então, o caos (e por vezes a fome) tem imperado nesse país africano, com 11 milhões de habitantes, na sua quase totalidade muçulmanos.

Uma das explicações para o repentino sucesso dos novos senhores de Mogadíscio, de nome União dos Tribunais Islâmicos, é esse caos e o desejo de muitos somalis de verem a ordem regressar ao país. Foram, aliás, alguns dos mais ricos comerciantes que começaram por financiar os tribunais islâmicos, os quais, através de uma aplicação impiedosa da charia, foram pacificando várias cidades.

E um pouco como no Afeganistão pós-comunista dos anos 90, a população somali foi aceitando o rigor da lei islâmica como preço a pagar pelo fim dos abusos dos senhores da guerra. Só que a memória de como os talibãs se transformaram em aliados de Ben Laden e deixaram usar o Afeganistão como base para a Al-Qaeda levou os Estados Unidos a encarar a União dos Tribunais Islâmicos como um perigo e a apoiarem, não oficialmente, os senhores da guerra, coligados na Aliança para a Restauração da Paz e contra o Terrorismo. Durante anos, a CIA terá entregado milhões de dólares aos chefes de clãs somalis para perseguirem suspeitos de ligação à Al-Qaeda. Um dos homens fortes da União dos Tribunais Islâmicos é Hassan Dahir Aweys, que consta na lista americana de terroristas por ter liderado um grupúsculo afiliado da Al-Qaeda.

A mudança de poder em Mogadíscio nestes últimos dias mostra que a estratégia americana na Somália falhou. Agora, além de um Governo interino sedeado em Baidoa (por falta de garantias de segurança na capital), de uma semi-independente República da Somalilândia e de uma dezena de senhores da guerra, o país conta com uma capital dominada por simpatizantes da Al-Qaeda. Num país tão caótico, é difícil para a Administração liderada por George W. Bush encontrar a estratégia adequada para reconstituir o Estado e travar o terrorismo. Mas ninguém melhor que os americanos conhece os imprevistos somalis. Afinal, um dos mais importantes senhores da guerra actuais é o antigo marine Hussein, criado pela mãe na Califórnia e que em 1996 tomou o lugar em Mogadíscio do pai morto, um líder tribal de nome Mohammad Farah Aidid.

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