Busca dos desaparecidos ameaça quebrar calma londrina

<strong>Dificuldade e atraso na identificação das vítimas adia processo dos funerais<br /></strong>
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Phillip Russel, de 29 anos, é um dos desaparecidos dos atentados de quinta-feira. Nessa manhã, sentiu que estava atrasado e telefonou a um colega, pedindo-lhe para avisar que ia demorar ainda algum tempo para chegar ao emprego. Pouco passava das 09.30, e Phillip tentava apanhar um autocarro em Euston, a meio caminho entre as estações de King's Cross e de Russel Square, no centro de Londres .

Nunca mais se soube dele. Para desespero da família e dos amigos que há três dias percorrem hospitais, morgues e esquadras de polícia.

A história de Phillip Russel não é muito diferente das que atingiram Michelle Outto, Richard Ellery, Miriam Hyman, Neetu Jain, Laura Webb, Christian Small ou Behnaz Mozakka. Desde sexta-feira que os seus nomes e as suas fotografias estão afixados nos locais dos atentados , tendo sido sucessivamente divulgados por todos os jornais e por todas as televisões do país. À semelhança do que está a suceder com muitos outros nomes: Gladys Wundowa, Shahara Islam, Carrie Taylor, Jamie Gordon, Darren Hendrick...

Todos eles, e mais alguns que, eventualmente, poderão vir a surgir nos próximos dias, fazem parte da lista não oficial das 25 pessoas que continuam desaparecidas, reforçando a convicção de que, neste momento, ainda há muitos corpos por recuperar. E que o processo de identificação das vítimas será bem mais demorado do que se pensava, como a polícia já foi obrigada a reconhecer, apesar da ajuda que os britânicos têm tido por parte de peritos norte-americanos, israelitas e espanhóis. Em grande parte por causa das vítimas das zonas de Russel Square e de King's Cross, onde continuam os trabalhos para se recuperarem três das carruagens de metropolitano atingidas, desconhecendo-se, para já, o número de corpos que poderão vir a ser encontrados.

Foi também ali que algumas pessoas já começaram a colocar ramos de flores. De uma forma discreta. Como se não quisessem perturbar o silêncio que ainda envolve aquela zona da cidade, onde, ao princípio da tarde de ontem, surgiu mais um sinal de alarme. Desta vez, sem consequências, o que não impede, no entanto, que o som das sirenes da polícia continue a ser uma constante.

Mas quem percorra Londres nestes dias arrisca-se a encontrar duas cidades totalmente distintas. Como se os locais das explosões de quinta-feira formassem uma ilha isolada do resto, onde tudo decorre normalmente. Sem sobressaltos de espécie alguma.

Exemplo disso é Portobello Road, onde todos os sábados se realiza um mercado de antiguidades. Legítimas ou não. Das pratas aos objectos de decoração, passando por relógios, canetas, brincos, máquinas fotográficas, talheres, chapéus ou pinturas. Como se via no filme Notting Hill, com Julia Roberts e Hugh Grant.

E ontem, Portobello Road voltou a não ser uma excepção. Apesar de o mercado estar situado bem próximo de uma das quatro zonas atingidas pelas explosões, centenas de turistas e de britânicos acotovelaram-se horas a fio, ao longo de quase um quilómetro, sem que nada parecesse perturbá-los.

"Mas é só aparência", advertiu Amanda, uma brasileira de 30 anos, oriunda de Curitiba, e que reside em Londres há quase dois anos. "Normalmente, os ingleses não manifestam os seus medos, nem os seus receios. São pessoas muitas fechadas. E que agora estão a reagir como se nada tivesse acontecido. Mas quem os conhece sabe muito bem que eles estão preocupados e apreensivos."

Amanda tem obrigação de saber do que fala. Vive com uma família inglesa e trabalha em dois locais distintos por onde passam muitas pessoas todos os dias. De manhã, serve num café de Portobello Road e à tarde vai para um pub de Piccadilly Circus, habitualmente frequentado por profissionais de televisão e de marketing associado aos media.

"Ainda ontem [sexta-feira] reparei nisso. Como são clientes regulares, deu para notar as diferenças: beberam mais do que o habitual e, ao contrário do que é costume, chegavam e saíam em grupos. Só quem estiver distraído é que não nota o que está a acontecer. Eu própria estou muito assustada. Ainda não voltei a andar de metropolitano e, quando vim para aqui, hesitei, mas acabei por vir de autocarro. Mas passei o tempo todo a olhar para as pessoas e a reparar no que elas traziam. Sei que é uma paranóia, mas estava toda a gente a fazer o mesmo. Pode ser que daqui a uns dias já seja diferente, mas por enquanto é assim."

Estes são sinais de uma inquietação que poderá adquirir novos contornos nos próximos dias. Quando a maioria dos londrinos regressar aos seus empregos, as escolas reabrirem e as pessoas voltarem a ter de utilizar os transportes públicos. Em simultâneo com a divulgação oficial da identidade das vítimas e a realização dos respectivos funerais. O que, até ao momento, ainda não se verificou, estando por se saber quando é que tais cerimónias poderão ocorrer.

ATENTADO TERRORISTA EM LONDRES

Um alerta dos serviços secretos sobre eventual ameaça terrorista levou a polícia britânica a evacuar o centro de Birminghan, ontem à noite. Em Londres , onde os utentes dos transportes públicos vigiam com atenção as bagagens uns dos outros, o Governo apelou para que, quinta-feira, se façam dois minutos de silêncio em memória das vítimas. Perto do mercado de Portobello Road, frequentado por turistas e londrinos, a polícia procura indícios. e as famílias dos desaparecidos vivem horas de angústia.

Lançamento de romance cancelado por livraria

A livraria Waterstone cancelou o lançamento oficial do livro Incendiary devido aos atentados na cidade de Londres na passada quinta-feira. O romance, do estreante Chris Cleave, conta a história de uma mulher que perdeu o filho e o marido num atentado suicida, no estádio do Arsenal. O livro é uma carta aberta a Osama ben Laden. A obra está à venda na Internet, nas lojas da Amazon, incluindo na britânica.

Depois dos atentados nascem os heróis

Tal como aconteceu em Nova Iorque, após o 11 de Setembro, também em Londres nascem os chamados Heróis do 7/7''. Que o diga Paul Dadge, que percorreu o mundo numa foto em que se via o bombeiro, de 28 anos, a amparar uma mulher com a face coberta por um pano branco. Ou Helen Long, de 38 anos. Esta, empregada no metro, manteve-se de mão dada com um homem que havia perdido uma perna.

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