Na expedição à nascente do Nilo no lago Vitória, que passarei a contar noutras descrições, foi apresentado o facto de o Burundi e o Ruanda reivindicarem as nascentes originais, se forem consideradas aquelas a montante do lago, ou seja, as nascentes do Ruvyironza, que nasce na província de Bururi, no Burundi, e as do Nyabarongo, que nasce na Floresta Nyungwe, no Ruanda. Ambos estes rios correm para o lago Vitória. Ora, não tendo eu pisado as terras deste pequeno país montanhoso a ocidente e com um planalto a ocupar a zona leste, a perceção que tenho dele foi-me transmitida pela conversa com o meu companheiro de viagem no avião entre Entebe e Bruxelas. Louis nasceu precisamente no ano da independência, em 1962, depois das guerras tribais. É empresário em Bujumbura, mas com explorações agrícolas no exterior da capital. Viajava para Bruxelas, naquela circunstância, para se encontrar com familiares seus e parceiros de negócio. Em francês e em inglês nos entendemos. A política do Burundi tem lugar num quadro de uma república democrática representativa presidencial de transição, segundo a qual o presidente é simultaneamente chefe de Estado e chefe de governo, com o apoio de um sistema multipartidário. Percebi que o meu interlocutor era próximo do sistema governamental instalado, pelo que o seu sucesso empresarial talvez passasse por essas relações privilegiadas. O Burundi é um país pobre em recursos naturais e com um setor industrial pouco desenvolvido A aposta de Louis tem sido na economia agrícola. A sua empresa produz banana, com um índice elevado de exportações. Mas o seu empenho era maior, ou seja, menorizar os níveis alarmantes de insegurança alimentar para um país dependente da agricultura. O investimento no sector primário era essencial, para o qual o governo já se comprometera a aumentar o orçamento agrícola. Disse-me que havia um compromisso de aumentar os investimentos com a agricultura para pelo menos 10% do orçamento nacional, conforme prometido na adesão do Burundi à Declaração de Maputo 2003, porém, considerava que isso seria inútil a menos que fossem investimentos de alta qualidade, para os quais ele lutava: "As necessidades são imensas, por isso priorizar as áreas e os grupos mais vulneráveis do setor é muito importante, tal como o papel da sociedade civil nos processos de tomada de decisão", confessou-me ele mais ou menos assim. Percebi que estava perante um empresário com preocupações sociais e políticas mais globais para além da sua exploração. Em Bruxelas nos apartámos, até sempre, mas por vezes procuro notícias do país e o nome do meu companheiro de viagem de quem fiquei sem saber o apelido. Talvez, num destes dias, o encontre a governar este país..Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.