Burquina Fasso. O "país dos homens honestos"

Mala de viagem (29). Um retrato muito pessoal do Burquina Fasso
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Burquina Fasso fica longe do mar, no oeste de África, entre Gana, Benim, Mali, Níger, Togo e Costa do Marfim. O seu nome significa "país dos homens honestos" e foi criado em 1984, quando já tinha deixado de ser uma colónia de França e ainda se chamava Alto Volta, por estar no norte do rio Volta. Eu sabia que para ir ao Burquina Fasso e em particular ao mercado de Markoye, em Gorom Gorom, seria melhor viajar na estação morna e seca, de novembro a março, que é aquela mais capaz de ter o clima propício e as estradas em melhores condições. O mercado situa-se a norte do país e ainda distante da capital Ouagadougou, que significa "cidade onde as pessoas têm honra e respeito". O caminho é razoável, demorando cerca de 40 minutos em carro comunitário, em direção da fronteira com o Mali, na região do Sahel, a linha divisória natural entre a África saariana e a subsaariana. À saída da capital, ainda nos debatemos com a confusão de muitos motociclos, um dos mais usados transportes pelos residentes. O terreno é acastanhado e pontuado com árvores e arbustos, é plano no circuito da estrada, avistando-se pequenos montes no início, de um e de outro lado, mas é aplanando consoante nos aproximamos do destino. Entramos em Gorom Gorom, com barracas junto à estrada. Dispersamente veem-se casas feitas de barro e palha, com cobertura curva ou plana do mesmo barro. Ao redor, havia vacas brancas malhadas de castanho ou de preto, ou mesmo totalmente castanhas. Víamos mais homens do que mulheres tuaregues. Muitos com mantos castanhos, roxos ou brancos, com turbante, até com kispos, quando trabalhavam a juntar o gado. As mulheres trançavam moedas de prata e outras bugigangas nos seus cabelos. Com uma cultura muito diferente das de outras partes de Burquina Fasso, ali estávamos na quinta-feira do mercado étnico, onde se juntam populações seminómadas, grupos étnicos que se reúnem para trocar animais e produtos, que têm de viajar de 20 a 30 quilómetros, ou mais - vacas, cabras, mulas e camelos; carne e legumes; vasos de barro, tapetes de palha, trajes, joias, colares de couro, bolas de futebol e camisolas de alguns dos clubes europeus. Tudo o que baste para uma microeconomia de subsistência. O mercado acontece todos os dias, mas é às quintas-feiras que vira uma festa de tribos e cores. O grupo que saíra da capital já tinha onde ficar para o outro dia. O guia levou-nos a um conjunto de casas dos Bellah, que são os antigos escravos do Tamashek. Eles ainda preservam o estilo de vida tradicional dos seus antigos mestres. Confrontámo-nos com um pequeno grupo de cabanas de lama. Regressámos do mercado com o chefe do clã, que escolheu um par de casas onde nos alojámos como eles, ou melhor, desta vez munidas de redes mosquiteiros para não sermos "comidos" pelos insetos durante a noite. Estas são casas não habitadas permanentemente, feitas para algum vendedor de fora que queira ficar ou visitantes do além, como nós. Acho que pouco dormimos. No outro dia, fomos pisar o Mali e contar mais um país na minha conta. E regressámos à capital, pela mesma estrada, com este sentimento: um lugar cujo nome significa "país dos homens honestos" e cujo nome da capital significa "cidade onde as pessoas têm honra e respeito" merece ser visitado, apesar de ser um dos países mais pobres de África.

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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