A 8 de dezembro de 2013, Pedro Burmester terminava o exílio "performativo" voluntário que declarara à sua cidade natal, motivado pela sua discordância de fundo em relação à política cultural da gestão autárquica de Rui Rio. Era, então, a primeira vez que Pedro atuava na Sala Suggia da Casa da Música e o evento teve compreensível ressonância mediática, ou não fosse Pedro um "filho dileto" entre os artistas nados e criados na cidade nortenha..Aluno mais brilhante da grande pianista e pedagoga Helena Sá e Costa (1913-2006), Pedro Burmester desenvolveu uma ativa carreira até que os projetos Porto-2001 e Casa da Música surgiram no horizonte. Seria consultor artístico da novel instituição cultural, demitindo-se, polemicamente, em março de 2004. Começou aí a "travessia do deserto" terminada só em dezembro de 2013. O pianista recorda ainda vividamente o dia e a ocasião: "São memórias de algo muito intenso. Desde logo por uma razão extra-musical: o afastamento em que estivera, que fez com que nesse dia sentisse muito vivamente a comunhão, carinho e solidariedade do público". Um frisson muito forte no ar, mas, não obstante, diz, "consegui controlar esse lado mais emotivo e concentrar-me no que é realmente essencial - a música"..Mas a data ficar-lhe-ia gravada por uma razão ainda mais "extra"-musical: "A minha casa foi assaltada nesse dia. Quando regressei, à noite, encontrei tudo virado de cima abaixo! Os ladrões devem ter pensado que era a ocasião perfeita...".Há três anos, Pedro Burmester interpretou assim a 'Bênção de Deus na Solidão', de Liszt:.[youtube:SkRdd1g2iec].Em relação ao recital de há três anos, dois compositores mantêm-se: Bach e Liszt; outro surge agora: Beethoven, compositor cujos cinco concertos para piano Pedro interpretou ao longo do Ano Alemanha da CdM, em 2015: "Beethoven é um "cavalo de batalha" do repertório e as suas sonatas são, na minha opinião, obras que precisam de maturidade para serem exequíveis e apreensíveis na sua plenitude, já que nelas o conteúdo musical, objetivo e o conteúdo subjetivo estão fundidos de uma forma incrível"..Mais assim, ainda, na Sonata, op. 109, uma das últimas do compositor: "essa e as suas "irmãs" [ a op. 110 e a op. 111, que Burmester, informa-nos, nunca interpretou em público] são obras que reinventam e redefinem formalmente o género da sonata. No caso da op. 109, é uma obra que prima pela concisão. Tudo ali é extraordinariamente conciso e concentrado e até consigo entrever, naquelas páginas, o que o Schönberg fará nas suas peças para piano, uns 80 anos depois!".Uma entrevisão, quiçá, fruto da tal maturidade, pois, afirma, "lembro-me que toquei esta Sonata há uns 25 anos, em Matosinhos, num ciclo integral das sonatas de Beethoven promovido pelo Dr. Manuel Dias da Fonseca [histórico vereador da Cultura da câmara de Matosinhos, falecido no ano passado, aos 91 anos] e recordo o desconforto que senti então com ela, pois toquei sem saber o que devia de facto fazer, não fui ao âmago da obra"..De resto, Beethoven tem uma dimensão à parte para Pedro, que ele reforça assim: "Veja, em 2013, nas negociações da coligação [CDU/ CSU+SPD] que governa a Alemanha, um dos pontos do acordo escrito estabelecido entre os partidos refere expressamente a preparação das comemorações dos 250 anos do nascimento de Beethoven, em 2020, como um desígnio nacional alemão. Isto é, Beethoven é tão importante que até entra ainda hoje em acordos políticos!", sintetiza..Já Bach recorda-lhe a mestra: "É uma herança que conservo de Helena Sá e Costa: reconhecer nele uma dimensão cósmica, uma personalidade de alguma forma extraterrestre. É em todo o caso a minha Bíblia, e as seis Partitas [vai tocar a n.º 2, que nunca tocou em público] são para mim, junto com o Cravo Bem Temperado, as mais extraordinárias obras dele para tecla.".Ao contrário de há três anos, quando tocou em extra uma peça de Luís Pipa que trata em jeito de blues o hino nacional, desta feita Pedro não tem "na manga" nenhum extra inesperado: "agora tenho três "extras" preparados: um relaciona-se com a op. 109, outro com Bach e o último é uma peça de Liszt que se move no universo da ópera"..A solo (ou) com Laginha O programa desta tarde estreou-o Pedro ontem, em Viana do Castelo. Amanhã, leva-o por sua vez a Trás-os-Montes (Teatro de Vila Real, às 21.30) e, já no Novo Ano, a 10 de janeiro, trá-lo à Lisboa, ao Grande Auditório da Fundação Gulbenkian. Depois disso, 2017 contém "em possibilidade, uma digressão à América do Sul com o Mário Laginha, que é atualmente o músico com quem mais toco - fizemos uns 12 ou 13 concertos este ano. Nesses concertos, toco sempre algumas peças a solo. E aliás vamos desbravar repertório novo no próximo ano".