Bulgária. O pintor (não) morreu
Viajo motivado por um dos maiores pintores do início do século XX e com uma vida instigante de curiosidade. Faço da minha viagem o itinerário de vida de Jules Pascin, de nome artístico, não tanto por todos os dias o olhar através de uma das suas obras, mas porque ele representa o estado de alma de muitos artistas que fizeram da sua vida uma viagem rica, mas inquietada e por vezes com fim trágico. Daí ser minha intenção futura não tanto percorrer os passos de Pascin, mas perceber, no seu país, a importância que hoje lhe é devida. Pascin nasceu na cidade búlgara de Vidin (1885) e suicidou-se em Paris (1930). Em adolescente decidiu deixar os seus pais para estudar pintura e viajar pelo mundo. O pai era um poderoso representante do imperador austríaco e um rico comerciante de sementes, não concordando, porém, com as intenções do filho. O dono de um bordel em Bucareste despertou o seu gosto pela pintura. Ele encorajou-o a desenhar, conversou com ele sobre Toulouse-Lautrec e Degas e aconselhou-o a partir para Paris. Porém, antes, Pascin viveu em Viena (1903), Munique (1904), Berlim (1905) até chegar à capital francesa, onde se demorou até que teve o seu primeiro contato com os Estados Unidos, através do envio de obras (1913). Assim que eclodiu a Grande Guerra, partiu para a América, onde já tinha interessados no seu trabalho. Voltou a Paris, em 1920, quando já era cidadão americano. Entre 1920 e 1930, Pascin, que adorava viajar, visitou o norte de África, vários países europeus e de novo os Estados Unidos. Em 1924, visitou a Tunísia e, em 1926, planeou estabelecer-se na Palestina, mas mudou de ideias enquanto estava no Cairo, retornando a Paris, por via da Tunísia. Em 1927, Pascin voltou a Nova Iorque para organizar os seus negócios, mas ficou depressivo e alcoólico. Cometeu suicídio no seu estúdio. A 7 de junho de 1930, as galerias de Paris fecharam em sinal de luto. Mais de mil pessoas seguiram o cortejo até o cemitério de Montparnasse. Na sua viagem de vida, conheceu os mais importantes artistas europeus e norte-americanos e os mais determinantes investidores e críticos de arte. Frequentou o Café Le Dôme, onde fazia parte de uma tertúlia, e o La Belle Poule, o seu bordel favorito na Rue Blondel, em Paris. Trabalhou para a revista "Simplicissimus" e organizou festas mundanas na sua casa de Paris. Em 1924, os irmãos Loeb montaram uma exposição do seu trabalho para a abertura de uma nova galeria. O catálogo foi prefaciado pelo escritor Pierre Mac Orlan. Algum tempo depois, por ocasião de um banquete organizado em homenagem ao crítico de arte André Warnod, Pascin contendeu com Jean Galtier-Boissiere, pintor e jornalista (e controverso), diretor da revista "Le Crapouillot", que depois escreveu: "Deixemos o Sr. Pascin fazer as malas e voltar para a Bulgária. Seremos privados dos seus belos desenhos, mas seremos facilmente consolados". Politicamente, Galtier-Boissiere aproximou-se da extrema-direita, talvez se compreenda este ataque feroz a Pascin. A viagem que quero fazer, brevemente, não pode deixar de ter uma ligação de Sofia a Vidin, por volta de umas quatros horas de caminho. Em 2017, os judeus na Bulgária doaram a sinagoga a esse município que prometeu restaurar o edifício e transformá-lo num centro cultural com o nome de Jules Paskin. O edifício está a ser convertido num grande salão multiusos e com áreas especiais no piso superior para exposições relacionadas com o Holocausto e com a obra de arte do pintor judeu, a inaugurar no final de 2022. Importa lembrar que, ao contrário dos seus vizinhos, a Bulgária não deportou judeus durante o Holocausto, embora tenha deportado a população judaica da vizinha Macedónia, que ocupou durante a guerra. No entanto, depois que Israel foi fundado como país, em 1948, a Bulgária encorajou fortemente a sua população judaica a emigrar para o novo Estado judeu. A Sinagoga manteve-se, até agora, tal como foi devastada pela guerra. E quanto a Pascin, ele é a prova de que é necessário percorrer e ser reconhecido mundialmente para se ser lembrado na sua própria terra, mesmo que seja quase um século depois da sua morte trágica. O pintor morreu, mas sobrevive pela sua arte, como todos, afinal.
Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.