"Desproporcionadamente restritivas" e capazes de afetar negativamente a oferta turística, sobretudo em zonas costeiras e rurais, "sem garantias de que potenciariam um aumento das casas disponíveis para arrendar". Foi com este veredicto que a Comissão Europeia bloqueou os planos da Irlanda para endurecer as regras do Alojamento Local (AL), num pacote legislativo que o governo de Dublin queria começar a executar em março, como forma de pôr mais casas no mercado de arrendamento..Numa deliberação emitida há dias, Bruxelas considera que a Irlanda "não apresentou informação e indícios sustentados" de que essas medidas seriam essenciais para responder à crise da habitação e potenciar a transferência de até 12 mil casas do AL para o arrendamento de longa duração, falhando ainda na "apresentação de um pacote alternativo, mais brando, que pudesse prosseguir o objetivo proposto". Realçando-se desproporcionalidades como a "não contenção geográfica" das propostas a áreas mais densamente populadas - "onde haverá maior probabilidade de o AL ter efeito sobre os preços do arrendamento" -, o plano irlandês fica agora sujeito a um período de análise que o congela até ao final do ano..Irá o pacote Mais Habitação sofrer o mesmo destino? De momento, a Comissão Europeia diz apenas que "aguarda informação" do governo português sobre as medidas, que "serão analisadas à luz das regras europeias"..Em resposta às questões levantadas em março por Nuno Melo (eurodeputado do CDS) e por seis eurodeputados do PSD (Cláudia Aguiar, Álvaro Amaro, José Manuel Fernandes, Maria da Graça Carvalho, Lídia Pereira e Paulo Rangel), Bruxelas garante que "vai monitorizar" o tema e ponderar possíveis medidas a tomar, "incluindo caso Portugal falhe a notificação, nos termos da Diretiva dos Serviços no Mercado Interno". Uma pretensão que já fora endereçada às instituições europeias pela Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP). Ainda em março, o presidente da ALEP, Eduardo Miranda, teve uma série de reuniões em Bruxelas, inclusivamente com aqueles eurodeputados, alertando para "medidas que criam situações cegas e desproporcionais que vão entrar em choque com a legislação europeia", nomeadamente criando barreiras "ao desenvolvimento das atividades do negócio e empreendedorismo", protegidos por aquela Diretiva..Reforçando o dever de informação antes da adoção das medidas, a Comissão sublinha ainda na dita resposta que os artigos 49 e 56 do Tratado de Funcionamento da União Europeia obrigam a que restrições como as que se prendem com o alojamento de curta duração têm de respeitar princípios de "proporcionalidade" e de ser "apropriadas e fundamentais para proteger os objetivos de interesse público". "Até ao momento (a resposta é datada de 28 de abril), as autoridades portuguesas não notificaram as instituições sobre o plano em questão", diz a Comissão..Apesar de limadas em relação à primeira vontade expressa pelo governo, quando revelou o Mais Habitação pela primeira vez, as medidas que têm merecido forte contestação pelo setor poderão, assim vir a ser bloqueadas em Bruxelas, por desproporcionalidade ou falta de garantias de que possam contribuir para trazer mais casas ao mercado do arrendamento. É o caso também do prazo de validade limitado a cinco anos para novas licenças de AL ou da criação de uma "contribuição extraordinária sobre o alojamento local" (CEAL), que pretende taxar as casas sujeitas a este regime numa fatia de 20% "para financiar políticas de habitação acessível" e que se pretende variável "de acordo com os rendimentos de exploração, a evolução de rendas e o peso do alojamento local na zona". E que mesmo a nível nacional levanta problemas.."A CEAL suscita dúvidas jurídicas várias", admite Rogério Fernandes Ferreira na comunicação regular da RFF Lawyers, destacando, entre outros argumentos, a potencial desproporcionalidade, já que o AL corresponde a apenas 3% dos fogos habitacionais do país, "pelo que se poderá levantar dúvidas relativamente à eficiência desta medida, atenta a expressão diminuta do Alojamento Local na globalidade do mercado habitacional nacional". É ainda apontado o potencial de inconstitucionalidade das medidas, "quanto mais não seja por tal contribuição incidir sobre rendimento presumido, contrariando a exigência de a tributação incidir sobre rendimentos reais, e, por outro lado, por violação do princípio da capacidade contributiva", expõe o fiscalista na newsletter da sociedade..Fernandes Ferreira antecipa ainda, no mesmo artigo, um enorme "potencial de contencioso tributário" na medida em que os proprietários que tenham cedido para efeitos de exploração em AL, ainda que não estejam a receber o rendimento, podem ser chamados a pagar a contribuição tributária. "Trata-se muito provavelmente, e em primeiro lugar, de uma forma encapotada de substituição de um sujeito passivo por outro, sem que este último tenha capacidade contributiva, o que é inconstitucional", argumenta. "(...) Por fim, é possível que esta alegada responsabilização tributária restrinja, de forma indireta mas de um modo inadmissível, o próprio direito de propriedade e de iniciativa privada e a liberdade económica, podendo ainda ser inconstitucional por violar o princípio da igualdade, pois há situações idênticas (de arrendamento de curta duração) com tratamento fiscal diverso, mas que revelam capacidade tributária idêntica (...)", conclui na mesma exposição..As mudanças previstas para o AL podem, assim, fazer soar as campainhas europeias. Ainda antes disso, porém, o próprio pacote pode ser travado por falta da devida comunicação à Comissão Europeia.