Boris ganha maioria histórica e diz que Brexit é "irrefutável e indiscutível"

O primeiro-ministro britânico ganhou a aposta ao devolver a voz aos eleitores. O líder do Labour anunciou que não estará nesse cargo nas próximas eleições gerais, enquanto a dirigente dos Liberais-Democratas demitiu-se depois de não ser reeleita.
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"Vivemos na maior democracia do mundo", reagiu Boris Johnson às projeções eleitorais no Twitter. Estas davam-lhe uma maioria de 86 lugares na Câmara dos Comuns que lhe abria o caminho para poder passar no Parlamento o seu acordo de retirada da União Europeia no dia 31 de janeiro - o que será um atraso de dez meses depois do previsto.

Já passava das 5.00 quando os dados oficiais confirmavam a maioria, com os conservadores a passar a barreira dos 326, com a BBC a prever que terá no Parlamento uma maioria de 78.

"Estou honrado por terem depositado a vossa confiança em mim, nunca tomarei o vosso apoio por garantido", disse Boris Johnson já na manhã de sexta-feira, reagindo aos resultados, que lhe davam 363 deputados (teria no final 365). O líder conservador defende que o Brexit é agora uma decisão "irrefutável e indiscutível", usando o epíteto que será o novo lema dos Tories, "um partido de uma nação", depois de conquistar circunscrições que eram trabalhistas há décadas.

Jeremy Corbyn admitiu durante a madrugada uma noite "muito dececionante" para o Labour, adiantando que não será líder do partido nas próximas eleições gerais. Uma saída anunciada, mas sem prazo previsto.

Pelo contrário, a líder dos Liberais-Democratas, Jo Swinson, anunciou a demissão depois de não conseguir ser reeleita para o Parlamento britânico, perdendo por 149 votos para o Partido Nacionalista Escocês de Nicola Sturgeon, o outro grande vencedor depois dos conservadores, conquistando mais 13 deputados do que nas eleições de 2017.

Sturgeon já avisou esta sexta-feira que a independência escocesa não é uma decisão que cabe ao primeiro-ministro britânico, lembrando que este tem um mandato para o Brexit no Reino Unido mas não na Escócia. A chefe do governo escocês diz que o partido vai anunciar na próxima semana um texto sobre uma transferência de poder que permita um novo referendo sobre a independência.

Segundo a sondagem à boca das urnas que envolveu cerca de 20 mil entrevistados em 144 assembleias de voto, o Partido Conservador devia obter 368 lugares dos 650 da Câmara dos Comuns, um aumento de 51 lugares face a 2017, quando Theresa May falhou a aposta em reforçar a maioria recorrendo a eleições antecipadas.

"Espero que gostem de comemorar esta noite. Com alguma sorte, amanhã vamos começar a trabalhar", escreveu Boris Johnson num e-mail aos membros do partido que o elegeram sucessor de May em julho.

Johnson convocou as primeiras eleições na quadra natalícia desde 1923 para quebrar o que disse ser a paralisia do sistema político britânico após mais de três anos de crise sobre a fórmula para deixar a União Europeia. O rosto da campanha pela saída no referendo de 2016, Boris Johnson, fez campanha sob o lema, repetido à exaustão, "Get Brexit done", ou seja, resolver o Brexit, e além do mais prometendo investir no Sistema Nacional de Saúde, na educação e nas forças de segurança.

Brexit para os próximos anos

Embora uma maioria na Câmara dos Comuns vá permitir a Boris Johnson cumprir a saída da UE até 31 de janeiro - data que já foi adiada por três vezes -, o Brexit está longe do fim. O Reino Unido entra num período de transição durante o qual negociará uma nova relação com os restantes 27 Estados da UE. E o próximo passo é o de negociar um acordo comercial com Bruxelas em apenas 11 meses.

O período de transição pode decorrer até ao final de dezembro de 2022 ao abrigo das atuais regras, mas os conservadores fizeram uma promessa eleitoral de não prolongar o período de transição para além do final de 2020.

O ex-speaker John Bercow, que era deputado conservador antes de ter abraçado o cargo, advertiu os compatriotas na Sky News de que os espera mais anos de Brexit pela frente. "Vamos debater o Brexit certamente nos próximos cinco anos, provavelmente nos próximos dez e, possivelmente, nos próximos 15", vaticinou.

A ministra francesa dos Assuntos Europeus, Amélie de Montchalin, disse aos jornalistas em Bruxelas que a Europa iria receber uma mensagem clara se as projeções se confirmassem. "O mais importante com o Brexit não é a forma como nos divorciamos, é o que construímos posteriormente", afirmou.

O presidente norte-americano, Donald Trump, já felicitou Boris Johnson pela "grande vitória", dizendo que o Reino Unido e os EUA vão ser agora livres de conseguir um grande acordo comercial após o Brexit. "Este acordo tem o potencial de ser maior e mais lucrativo do que qualquer acordo que poderia ter sido feito com a União Europeia".

Abismo trabalhista

A sondagem à boca das urnas, realizada pela Ipsos Mori para a BBC, ITV e Sky News, atribuía 191 lugares ao Partido Trabalhista - um trambolhão face à legislatura anterior, em que tinha 262 deputados. O resultado final não será tão mau, com o Labour a conseguir ultrapassar os 200 deputados. O líder da oposição e candidato a primeiro-ministro Jeremy Corbyn é o rosto do falhanço em toda a linha.

Corbyn, de 70 anos, limitou-se a agradecer no Twitter aos seus apoiantes. Ao contrário de Boris Johnson, que seguiu à risca o guião da saída da UE, a campanha do trabalhista, um assumido eurocético, manteve a ambiguidade até ao limite. Prometeu negociar um novo acordo de saída alternativo ao de Boris Johnson e submetê-lo posteriormente a referendo com a permanência na UE. A acontecer tal campanha, Corbyn disse que se manteria neutro.

Deputado desde 1983, Corbyn deu uma guinada à esquerda a um Partido Trabalhista que tinha ganho ao centro no consulado de Tony Blair. Na campanha, Corbyn prometera a nacionalização de várias empresas importantes, como as que asseguram o transporte ferroviário, ou o grupo de telecomunicações BT.

Perante as projeções, vários dirigentes trabalhistas testemunharam, durante as ações de campanha, que as pessoas com quem falavam sentiam mais medo de Jeremy Corbyn do que do Brexit. "A cada porta que bati, e eu e a minha equipa falámos com 11 mil pessoas, todos referiram Corbyn. Não o Brexit, mas Corbyn", escreveu o deputado Ian Murray.

Quando finalmente falou, após ser reeleito por Islington North, Corbyn disse que não será líder nas próximas eleições gerais.

Um dos aliados da ala esquerdista, John McDonnell (e ministro-sombra das Finanças), negou poder candidatar-se ao lugar de Corbyn ou sequer assumi-lo interinamente. No entanto, admitiu o falhanço da estratégia do partido. "A grande questão era o Brexit. Devíamos ter escolhido [permanecer ou sair]."

A desilusão liberal democrata

A noite eleitoral foi também amarga para o Partido Liberal Democrata e em particular para a sua líder, Jo Swinson. A mulher que assumiu a liderança do partido mais claramente pró-europeu em julho começou a campanha com a perspetiva de obter um resultado histórico. As sondagens chegaram a colocar o partido em segundo lugar, mas, à medida que a campanha avançou, Swinson foi ganhando anticorpos e a estratégia do partido - que começou por exigir a revogação unilateral do artigo 50.º, o que desencadeou o Brexit, passou para a exigência do referendo e acabou por não o defender no Parlamento.

Swinson começou a campanha a dizer que podia ser primeira-ministra e pode acabar por perder o lugar de deputada. Segundo a BBC, a escocesa tinha 95% de hipóteses de falhar a eleição na circunscrição de Dunbartonshire East.

Já os liberais-democratas devem ficar com 13 eleitos, mais um do que em 2017, mas menos oito do que a bancada parlamentar tinha antes da dissolução, graças aos deputados que trocaram os conservadores e os trabalhistas para os Lib Dem.

O partido, fundado em 1988, teve a máxima força parlamentar em 2005, quando elegeu 62 deputados, e a menor em 2015, com apenas oito deputados.

Pulsar nacionalista

O outro grande vencedor da noite é o Partido Nacionalista Escocês. Se as projeções acertarem, o partido liderado por Nicola Sturgeon vai eleger 55 deputados nas 59 circunscrições. Serão mais 20 deputados do que em 2017 e por um deputado não atinge a marca histórica de 56 eleitos em 2015. O partido, que defende a realização de um segundo referendo pela independência da Escócia, tinha até 2015 um historial de eleitos bem mais modesto (por norma abaixo dos sete eleitos).

Este resultado é visto por alguns observadores como um mandato para o SNP avançar com o processo de secessão.

"Se a sondagem à boca das urnas se concretizar, o Reino Unido vai deixar a UE, e a Escócia não vai votar para sair do Reino Unido e juntar-se à UE? Espera-nos uma década de turbulência nacional e provavelmente o fim do Reino Unido...", escreveu o historiador Timothy Garton Ash.

Já a chefe do governo escocesa, reagiu de forma menos expressiva às eleições. "Uma boa noite para o SNP", mas "sombrio para o Reino Unido".

(Texto atualizado às 7.00)

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