Brincar aos médicos e aos pais e às mães

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Hoje vamos falar dos comportamentos sexualizados que algumas crianças apresentam e que, de uma forma muito imediata, surgem associados a uma possível situação de abuso sexual.

O que são comportamentos sexualizados normativos e não-normativos? Brincar aos médicos e às mães e aos pais é adequado? Até que ponto? Quais são os sinais de alerta a que devemos estar atentos? E será que todas as crianças que apresentam comportamentos sexualizados foram vítimas de abuso sexual?

Pois bem, comecemos pelo princípio.

É natural e expectável que as crianças, mesmo as mais novas, descubram que sentem prazer quando se tocam nos seus órgãos genitais. Logo, um comportamento de toque ou de esfregar os órgãos genitais numa almofada ou no sofá não tem de ser necessariamente um problema.

Da mesma forma, brincar aos médicos ou aos pais e às mães, "mostra lá o teu que eu mostro o meu" são, à partida, interações positivas e normativas que devemos aceitar com tranquilidade.

Para avaliarmos se um dado comportamento sexual poderá ser considerado normativo temos de ter em conta diversos critérios, nomeadamente, a idade da criança, a natureza do comportamento, a sua frequência e duração e, ainda, o contexto onde é exibido.

Os comportamento sexuais que envolvem várias crianças são habitualmente considerados problemáticos quando se observa: a) falta de consentimento, ou seja, a criança desconhece o que lhe está a ser proposto, bem como os comportamentos que a situação envolve e potenciais consequências da mesma, sem capacidade para efetuar uma escolha livre e informada; b) ausência de uma relação de equidade entre as várias crianças envolvidas - existe uma diferença óbvia na idade, tamanho, capacidade intelectual, responsabilidade ou poder entre as várias crianças envolvidas, e c) existe qualquer tipo de coerção durante a interação - qualquer forma de manipulação, pressão ou oferta de recompensas, bem como ameaças em perder a relação, algum tipo de privilégio ou valor pessoal. Também as ameaças de uso da força ou intimidação, bem como a contenção física, recorrendo ao uso da força, são enquadradas nesta categoria.

Significa isto que comportamentos como a masturbação ocasional sem penetração, brincadeiras em que mostram o seu órgão sexual e pedem ao outro para mostrar o seu, com pares, imitar comportamentos de sedução (e.g., beijar) ou ter conversas sobre os órgãos genitais ou o processo de reprodução com pares ou irmãos da mesma faixa etária não são comportamentos preocupantes.

Por seu turno, comportamentos sexuais como, por exemplo, a simulação da atividade sexual com bonecos ou outras pessoas, a masturbação compulsiva envolvendo qualquer forma de penetração ou conversas sexuais muito explícitas que denotem um conhecimento sexual precoce serão sempre sinais de alerta que exigem uma intervenção do adulto e uma avaliação do que possa estar a acontecer.

No entanto, importa sublinhar duas ideias muito relevantes: nem todas as crianças vítimas de abuso sexual evidenciam comportamentos sexuais desadequados e, por outro lado, nem todas as crianças que apresentam estes comportamentos foram vítimas de abuso sexual.


Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal

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