Brilharete no emprego é à custa dos pouco qualificados e precários e compensa razia nos licenciados

INE. Taxa de desemprego baixa para 6,1% com o verão à porta, mas número de desempregados aumenta quase 9% num ano. Os pouco ou nada qualificados lideram criação de emprego em Portugal. Salário médio líquido nacional continua praticamente estagnado.
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O segundo trimestre de 2023 foi marcado por uma destruição recorde de emprego no setor da Educação (público e privado) e em áreas não especificadas da Administração Pública, Defesa e Segurança Social, eventualmente muito qualificado e com níveis elevados de escolaridade.

No entanto, esta dinâmica negativa acabou por ser compensada pela criação de um número muito expressivo de postos de trabalho precários e pouco ou nada qualificados, mostra o novo inquérito ao emprego do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativo ao segundo trimestre, divulgado ontem, quarta-feira, 9 de agosto.

Resultado: o emprego total da economia até continuou a expandir-se em termos homólogos (face ao segundo trimestre de 2022), mas a precariedade (contratos a termo e outros ainda mais intermitentes) alastrou e o salário médio líquido da economia como um todo, que tinha avançado apenas um euro nos primeiros três meses deste ano, refletiu essa perda de qualidade no emprego, tendo aumentado para 1.044 euros mensais, segundo o inquérito do INE.

É uma subida salarial de apenas 0,5%, ou seja, muito abaixo da taxa de inflação registada ao longo do segundo trimestre, evidenciam os novos dados oficiais trimestrais.

O ordenado médio líquido nacional tinha avançado apenas um euro no primeiro trimestre, o registo mais magro desde o primeiro trimestre de 2014, estava o País a tentar a "saída limpa" do programa de ajustamento, como noticiou o Dinheiro Vivo. Este avanço de 0,5% no segundo trimestre é o segundo mais fraco da série do INE.

Segundo o instituto, o emprego total na economia portuguesa aumentou 1,6% em termos homólogos, isto é, no segundo trimestre havia mais 77,6 mil empregos do que um ano antes. Olhando apenas para os trabalhadores por conta de outrem, o avanço até foi maior (2,7%), tendo sido criados 110,8 mil postos de trabalho.

Mas, como referido, este "dinamismo" do mercado de emprego é explicado por tendências pouco animadoras e positivas.

O setor da Educação (que o INE contabiliza na totalidade, portanto público e privado, embora a escola pública seja dominante) foi o que registou a maior destruição de emprego: num ano, perderam-se em termos líquidos mais de 66 mil postos de trabalho (uma quebra anual superior a 14%), indica o instituto.

O setor dos serviços públicos onde o Estado não tem concorrência dos privados (o INE denomina-o "Administração Pública e Defesa; Segurança Social obrigatória") registou a segunda destruição de emprego mais pesada. Desapareceram quase 39 mil postos de trabalho, mostra o INE.

Mas o turismo e a construção parecem ser o garante da evolução globalmente positiva do emprego em Portugal. As atividades de "alojamento, restauração e similares" criaram 74,3 mil postos de trabalho, as "atividades administrativas e dos serviços de apoio" somaram mais 42,3 mil trabalhadores, a construção outros 40,7 mil.

Olhando para as profissões, tem-se a confirmação de que o emprego que está a ser criado é, sobretudo, nos patamares onde as qualificações e a escolaridade tendem a ser mais fracas. Nos mais qualificados de todos é uma verdadeira razia.

Do grupo dos "especialistas das atividades intelectuais e científicas" desapareceram quase 108 mil empregados. Trata-se da maior quebra homóloga (um recuo de 8,8%) da série do INE que remonta a 2011. Nem no tempo da troika -- quando se aplicaram cortes profundos no serviço público -- foi tão negativo.

Mas, para compensar, o número de "trabalhadores não qualificados" aumentou mais de 53 mil entre o segundo trimestre do ano passado e igual período deste ano. O grupo dos "trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção e segurança e vendedores" ganhou mais 76,6 mil empregados nesse mesmo período.

Olhando para os níveis de escolaridade apenas tem-se, novamente, a confirmação de que quem mais estudou está a desaparecer do mercado de trabalho.

Há analistas e políticos (como alguns da oposição ao governo) que já falam de uma reedição do efeito emigração (que durante os anos do resgate foi muito agudo), mas pode haver também a dimensão demográfica. Por exemplo, as aposentações previstas para este ano de professores da escola pública pode ser a mais elevada dos últimos dez anos.

De acordo com o INE, todos os níveis de escolaridade registam aumentos de emprego, exceto o dos licenciados. A razia é total: em apenas um ano, Portugal perdeu 128 mil trabalhadores com o ensino superior completo. Eram menos 7,3% no segundo trimestre. É a maior queda desta série do INE. Uma vez mais, nem no tempo da troika foi tão grave.

Vânia Duarte, do banco BPI Research, repara que "a taxa de desemprego volta a diminuir no segundo trimestre, mas nem tudo é bom".

Numa análise enviada pelo gabinete de estudos do banco, esta quarta-feira, a economista refere que "o destaque pela negativa vai para a evolução do emprego por nível de escolaridade, mais concretamente, com a redução homóloga do emprego dos indivíduos com o ensino superior".

"Apesar de o aumento em cadeia (mais 2,2%; mais 34,5 mil indivíduos), a comparação homóloga regista uma queda pelo quarto trimestre consecutivo (menos 7,3%; menos 128 mil pessoas), contrariamente ao emprego de indivíduos com o ensino básico concluído, que aumentou quase 11% (mais 171,3 mil casos)", sustenta a economista.

Assim, "no segundo trimestre, os indivíduos com ensino superior representavam 32,8% da população empregada, o que compara com 36% há um ano".

"Esta situação deverá ser explicada pela emigração de indivíduos mais qualificados" pois "o número de pessoas residentes com o ensino superior caiu 8,1% em termos homólogos (menos 178,2 mil pessoas)", observa a analista do BPI.

Em cima disto, os vínculos mais precários também ganharam muito peso. Mais de 80% da referida criação total de emprego por conta de outrem no último ano (até ao segundo trimestre) é em contratos a prazo (a termo) e "outros tipos de contrato".

A contratação a termo, que engloba vínculos como os de trabalho sazonal e trabalhos pontuais ou ocasionais, abrangeu mais 68 mil trabalhadores (subida homóloga de 12%).

Depois ainda existe a categoria "outro tipo de contrato", os mais precários dos precários​, onde constam, por exemplo, os "falsos recibos verdes". O aumento neste grupo foi de quase 18% entre o segundo trimestre do ano passado e igual período deste ano, mais 19,7 mil trabalhadores numa situação, no mínimo, frágil.

O INE mostrou também que o número de pessoas em teletrabalho aumentou cerca de 3% entre o primeiro e o segundo trimestre, abrangendo agora cerca de 908,9 mil trabalhadores.

Com a aproximação do verão, que impulsiona a criação de mais empregos sazonais, a taxa de desemprego diminuiu, como costuma quase sempre acontecer nesta altura do ano, tendo caído para 6,1% da população ativa.

No entanto, a população desempregada aumentou bastante em termos homólogos (face ao segundo trimestre de 2022), tendo avançado quase 9%. Assim, há agora 324,5 mil desempregados em Portugal.

Luís Reis Ribeiro é jornalista do Dinheiro Vivo

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