O Brexit é um confronto adiado, desde sempre entre os britânicos e a União Europeia a que pertencem desde que nela entraram em 1973 (faz 45 anos no dia 1 de janeiro). E entre os britânicos a nível interno, dentro dos próprios partidos, dentro do seu próprio Parlamento. A tensão sobre a saída do Reino Unido da UE, que deve acontecer a 29 de março, está só adormecida durante esta quadra festiva. Promete regressar em força no dia 9, quando os deputados voltarem a debater na câmara dos Comuns o acordo sobre o Brexit, fechado entre Londres e os restantes 27. Atingindo o seu auge no dia 14, quando for a votação pelos parlamentares. Isto se não voltar a ser adiada a votação - como já o foi a 11 de dezembro por decisão da primeira-ministra Theresa May..A grande sobrevivente política de 2018, May, líder do Partido Conservador, adiou a votação do acordo por suspeitar de que não iria conseguir fazê-lo passar no Parlamento do Reino Unido. Isto porque uma série de deputados conservadores rebeldes, da ala eurocética mais dura do partido, ameaçavam votar ao lado da oposição contra o mesmo. Embaraçando May. A primeira-ministra foi em seguida alvo de uma moção de desconfiança por parte do seu próprio partido. A qual venceu. Por 200 a seu favor. Mas 117 contra si. Um número que apesar de tudo não é de descurar. Assim, segundo as regras internas do partido, May não pode ser contestada como líder dos conservadores nos próximos 12 meses. Mas isso não é razão para respirar de alívio. Pressionada por todos os lados, May voltou a Bruxelas para pedir aos líderes da UE mais concessões em relação ao acordo, sobretudo no que respeita ao backstop (mecanismo de salvaguarda para impedir o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda). Ouviu que o acordo está fechado e regressou a casa de mãos a abanar. Embora não o admita. Tendo dito aos deputados que ainda está à espera de mais clarificações por parte dos seus parceiros europeus..Descontente com o que viu, o líder do Labour, Jeremy Corbyn, apresentou uma moção de censura contra May. Mas não contra o governo conservador no seu todo. Segundo as regras do Fixed Term Parliament Act, a menos que a moção seja contra o governo, não tem de ser aceite a debate, o que efetivamente não foi. May e o seu executivo desafiaram o dirigente trabalhista a apresentar uma moção contra todo o governo, algo que ele, até agora, não fez. O provocador hesitante, como lhe chamam, não parece querer pagar para ver. Para ver o que aconteceria a seguir: se May seria simplesmente substituída como primeira-ministra por outro conservador (talvez o eurocético máximo Boris Johnson) ou se, à falta de um entendimento, haveria eleições legislativas antecipadas. Nesse cenário, Corbyn arriscava-se a ganhar. E a ficar nas mãos com o explosivo dossiê do Brexit. A pouco tempo da saída da UE..Novas eleições e segundo referendo."Eleições gerais neste momento não seriam do nosso interesse. A pior ameaça para este país não é sair da UE, a pior ameaça é um governo Corbyn", declarou May, num dos múltiplos debates que tem havido sobre o Brexit no Parlamento. A primeira-ministra britânica insiste que está a fazer o que é mais correto: "A minha abordagem tem sido colocar o interesse nacional em primeiro lugar. Este acordo dá às pessoas aquilo em que elas votaram." No referendo de 23 de junho de 2016, 52% dos britânicos votaram a favor do Brexit, 48% votaram contra a saída do país da UE. No entanto, a última sondagem realizada pelo YouGov, divulgada no início de dezembro, deu 59% a favor da permanência do país na UE e 41% a favor da saída do mesmo..Questionado sobre o que faria se houvesse legislativas antecipadas e ele e os trabalhistas as ganhassem, numa entrevista ao diário The Guardian, Corbyn decidiu mostrar-se mais decidido. Resta saber se foi ou não mais convincente. "Teria de regressar, negociar e ver qual o calendário." Sobre um segundo referendo ao Brexit, opção que muitas vozes defendem, como os ex-primeiros-ministros Tony Blair e Gordon Brown, ambos trabalhistas, Corbyn disse: "O partido teria de decidir qual a política (...) mas a minha proposta neste momento é avançarmos, tentarmos ter uma união aduaneira com a UE em que pudéssemos ser parceiros comerciais adequados.".O Tribunal de Justiça da União Europeia sentenciou, no início deste mês, que o Brexit pode ser anulado se o Reino Unido desativar o artigo 50.º do Tratado de Lisboa - o qual permite a um país sair da UE. Porém, isso não significa que os restantes países da UE estejam disponíveis para voltar a negociar o assunto, do zero, como se nada tivesse acontecido antes..Este acordo é o acordo e ponto final."Votaria a favor deste acordo porque este é o melhor acordo possível. É um dia triste, ver um país como o Reino Unido sair da UE não é um momento de jubilação, mas sim de grande tristeza, uma tragédia, e temos de fazer tudo para que este divórcio deva ser tão amigável quanto possível. O acordo é este, é o único acordo possível, a UE não irá alterar a sua posição", sublinhou de forma inequívoca Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, instituição que tem como negociador chefe para o Brexit o seu vice-presidente Michel Barnier.."Não aguento mais isto. Após dois anos de negociações, o governo conservador ainda quer atrasar mais o voto. Tenham em mente que nós nunca vamos deixar os irlandeses para trás", declarou, por sua vez, o negociador do Parlamento Europeu para o Brexit, Guy Verhofstadt, referindo-se ao regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda por causa da saída do Reino Unido da UE.."O acordo de saída, que inclui a salvaguarda para a fronteira irlandesa, é o único em cima da mesa. Demorou mais de ano e meio a ser negociado e tem o apoio dos 28. Não é possível reabrir uma cláusula específica do acordo sem as reabrir todas. Só posso repetir o que disse antes: já fizemos várias cedências ao longo do caminho. O resultado foi esta salvaguarda com este acordo de saída, que é o resultado de todas as exigências feitas pelo Reino Unido", declarou, por seu lado, o primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar, insurgindo-se contra aquilo que, até hoje, sempre foi o modus operandi dos britânicos: estar com um pé fora e outro dentro da UE (através dos seus múltiplos e polémicos opting outs) e ainda assim querer condicionar essa UE..Sair a bem ou sair a mal?."Quero reassegurar que a UE está preparada para qualquer cenário", avisou o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, numa altura em que Bruxelas já publicou os seus alertas aos Estados membros e o seu plano de contingência para os múltiplos setores em caso de No Deal Brexit. Isto porque se o Parlamento britânico chumbar o acordo no dia 14 de janeiro e se o governo de May não cair ou for substituído, no dia 29 de março, em última análise, acontece uma saída desordenada do Reino Unido da UE. E aí as consequências, por mais planos e simulações que possam fazer-se, são extremamente difíceis de prever..Na comunicação da Comissão Europeia sobre o Plano B para o Brexit, sublinha-se que a prioridade são os cidadãos. "A Comissão convida os Estados membros a adotarem uma abordagem generosa em relação aos direitos dos cidadãos do Reino Unido na UE desde que esta abordagem seja recíproca pelo Reino Unido." Cerca de um milhão de britânicos vivem na Europa continental e cerca de 3,5 milhões de cidadãos comunitários vivem no Reino Unido. Do outro lado da barricada o governo de May também se prepara para o cenário de No Deal: "O governo necessita de assegurar que estamos preparados para essa opção.".Ouvidos pelo DN, emigrantes portugueses no Reino Unido dizem estar a preparar-se para o Dia D. E dos mais pessimistas aos mais otimistas há algo que é unânime entre muitos dos entrevistados: o Brexit é um tema inquietante. E até há britânicos a fazer o percurso inverso a alguns portugueses que tentam instalar-se no Reino Unido e refugiar-se em Portugal, antecipando-se ao que poderá vir. Em Penamacor vivem já muitos, por exemplo. Em 2017, cerca de 23 mil emigraram de Portugal para território britânico. São menos 26% do que no ano transato, mas o Reino Unido continua a ser o destino de eleição de muitos portugueses. Mesmo com Brexit. Ainda haverá esperança num desfecho alternativo?