Brexit, é tempo de pensar no futuro
Nas últimas semanas, o governo britânico publicou uma série de documentos de discussão relacionados com a nossa saída da União Europeia e com o relacionamento profundo e especial que queremos ter depois de sairmos.
Estes documentos aprofundam as temáticas definidas no discurso que a nossa primeira-ministra fez em janeiro em Lancaster House e na carta que escreveu ao presidente do Conselho Europeu a desencadear formalmente o artigo 50.º Acordados pelo governo como um todo, são o resultado de meses de análise exaustiva e cuidadosa reflexão e demonstram claramente o trabalho que temos vindo a fazer.
Em junho, o Reino Unido publicou uma proposta justa e séria sobre a proteção dos direitos dos cidadãos. Desde o início, tem sido esta a nossa prioridade e continuámos a negociá-la em detalhe em Bruxelas esta semana. Sei que proteger os direitos dos cerca de 400 mil portugueses que vivem no Reino Unido, e que dão um valioso contributo para a nossa sociedade, é também a principal preocupação do governo português.
Durante o mês de agosto, publicámos uma série de novos documentos, uns relacionados com a nossa saída ("posições escritas") e outros relativos à nossa futura parceria.
Um dos primeiros documentos define alternativas para um novo regime aduaneiro fora da União Aduaneira, que permita fluxos de comércio com o mínimo possível de atrito entre Reino Unido e Estados membros da UE - um desfecho que acreditamos ser do interesse de ambas as partes, incluindo Portugal. E procuramos reduzir a incerteza, ao deixarmos claro o nosso desejo de que haja um período transitório para uma implementação suave e ordenada de um novo regime aduaneiro, e para que empresas e pessoas no Reino Unido e na UE só tenham de se adaptar a um novo regime aduaneiro uma única vez.
Outra das primeiras propostas define a nossa posição sobre a Irlanda do Norte, e é esclarecedora sobre a nossa intenção de proteger o acordo de Belfast e manter a zona comum de viagem e direitos associados. Proteger o processo de paz deve ser uma prioridade absoluta nestas negociações.
Outro dos documentos tem que ver com a aplicação da lei e resolução de litígios e apresenta uma série de opções sobre a melhor forma de gerir e aplicar quer o acordo de saída da UE quer o acordo de parceria que procuramos. Sempre afirmámos que, com a saída da UE, terminaria a jurisdição direta do Tribunal de Justiça da União Europeia. No entanto, é fundamental que existam mecanismos claros para gerir quaisquer disputas entre o Reino Unido e a UE sobre a interpretação dos acordos conseguidos, incluindo sobre comércio e direitos dos cidadãos.
E apesar de acreditarmos que será provavelmente necessária uma solução nova e original, o documento enumera uma série de precedentes, incluindo comissões mistas (usadas pelo NAFTA) ou modelos de arbitragem (usados em acordos de comércio livre). Isto mostra que existem alternativas - muitas delas já utilizadas pela UE com países terceiros para proteger cidadãos e empresas - através das quais poderemos aplicar a lei e resolver conflitos eficazmente, sem que isso implique a jurisdição direta do TJUE. Tal solução, em que o mais alto tribunal de uma das partes seria o responsável pela aplicação ou interpretação de um acordo entre as duas partes, seria excecional em termos de acordos internacionais.
A Comissão Europeia afirmou que UE e Reino Unido não podem discutir o seu futuro relacionamento enquanto não alcançarmos "progressos suficientes" em quatro áreas-chave: os direitos dos cidadãos, o acordo financeiro, a Irlanda do Norte e a Irlanda e questões mais amplas sobre a separação. Compreendemos e respeitamos esta posição. No entanto, o conjunto de documentos que publicámos nas últimas semanas realça uma questão fundamental. Como podemos discutir os termos da nossa saída da UE em isolamento e sem ter em conta a futura parceria que procuramos?
As primeiras rondas negociais demonstraram claramente que muitas questões sobre a nossa saída são indissociáveis da nossa futura relação. A questão da Irlanda do Norte é o melhor exemplo disso. Não é, pura e simplesmente, possível chegar a um acordo quase final sobre a questão fronteiriça, até que comecemos a discutir como funcionará no futuro a nossa relação aduaneira.
O mesmo princípio aplica-se na questão do acordo financeiro. Se por um lado o governo britânico tem deixado claro que trabalhará com a UE para definir um acordo justo para cobrir os nossos direitos e obrigações, enquanto Estado membro que está de saída da UE, também dissemos que não continuaremos a fazer avultadas contribuições para o orçamento comunitário depois da nossa saída. Mas pode haver programas europeus em que o Reino Unido possa querer participar em função da nova parceria. Os próximos documentos de discussão definirão algumas destas áreas de colaboração, que quereremos discutir, quer no âmbito da negociação da saída quer no âmbito da futura parceria.
Ninguém estava à espera que todas estas questões estivessem resolvidas até outubro, apenas que houvesse progresso suficiente até lá. A ronda negocial desta semana incluiu um longo e pormenorizado debate em várias áreas e registaram-se avanços concretos. Mas para lá da discussão sobre o processo e os aspetos técnicos, no centro desta negociação deve prevalecer o desejo de se encontrar o melhor resultado para cidadãos e empresas - tanto da UE como do Reino Unido. É nossa firme convicção que ambas as partes têm de começar rapidamente a falar sobre a parceria futura, e queremos que esse diálogo comece logo a seguir ao Conselho Europeu de outubro.
Durante as próximas semanas e meses, o governo britânico publicará mais documentos para discussão em diferentes áreas, como parte de um esforço concertado para impulsionar as negociações e mostrar que estamos prontos a explorar soluções imaginativas e criativas sobre a forma como Reino Unido e UE podem trabalhar juntos no futuro, construindo uma nova parceria profunda e especial com os nossos mais próximos vizinhos, aliados e amigos.
Embaixadora britânica em Portugal