Brexit: é tempo de pensar no futuro (3)
No meu artigo de 16 de setembro, falei da visão do governo britânico para o relacionamento profundo e especial que queremos ter com a UE depois da nossa saída, focando-me em especial nas áreas da ciência & inovação e defesa, política externa & ajuda ao desenvolvimento. Desde então, divulgámos outro documento de reflexão sobre a parceria forte que pretendemos forjar com a UE também no domínio da segurança interna.
No seu discurso em Florença no dia 22 de setembro a primeira-ministra Theresa May expôs mais detalhadamente o tipo de relacionamento futuro que pretendemos ter com os nossos amigos na UE. O seu objetivo foi alterar a dinâmica e dar um verdadeiro impulso às negociações.
Procurou transmitir ainda mais tranquilidade aos cidadãos da UE que vivem no Reino Unido, incluindo os cerca de 400 mil portugueses, cujo contributo para a nossa economia, cultura e sociedade, é extremamente apreciado. Como temos reafirmado, queremos que possam continuar a viver as suas vidas como até aqui; e a primeira--ministra comprometeu-se a transpor na totalidade para o direito britânico, o nosso acordo sobre direitos dos cidadãos.
Theresa May reiterou também que o RU está incondicionalmente empenhado na manutenção da segurança europeia e que o RU continuará a prestar ajuda financeira e auxílio aos Estados membros da UE que forem vítimas de agressão armada, terrorismo e catástrofes naturais ou provocadas pelo homem.
E tranquilizou os outros Estados membros afirmando que não terão de pagar mais nem receber menos dinheiro sobre o que resta do atual orçamento da UE, em consequência da nossa decisão de sair. O RU vai honrar os compromissos assumidos enquanto foi membro da União. Somos um país que respeita as suas obrigações, não apenas as legais, mas também políticas e morais. Mas é óbvio que só podemos chegar a uma conclusão sobre esta matéria no contexto e em conformidade com a nossa futura parceria profunda e especial com a UE.
O desafio que o RU e UE enfrentam é encontrar uma nova maneira de trabalhar juntos em parceria. Uma parceria económica única e ambiciosa, baseada num conjunto de regras e normas que serão iguais no início, e em mantermos o nosso empenhamento relativamente ao comércio livre e a padrões elevados - mas ao mesmo tempo permitindo a ambas as partes fazer alterações onde se julgue necessário, de uma forma ordenada e estável.
Essa nova parceria significa trabalharmos em conjunto com vista a promover o desenvolvimento económico do nosso continente a longo prazo. Não é um objetivo polémico. O RU pretende que ela seja bem-sucedida e acredito que Portugal também. As negociações para aí chegarmos podem ser difíceis. Mas devem prosseguir num espírito de parceria e amizade. Se os nossos esforços coletivos nestas negociações se revelassem insuficientes para alcançar um acordo, isso seria muito prejudicial para o futuro do nosso continente.
Torna-se evidente que precisamos de construir uma ponte entre a nossa saída e a nossa futura parceria, para dar tempo às empresas e aos cidadãos para se adaptarem e permitir a implementação de novos sistemas. Neste sentido, a primeira-ministra propôs um período de implementação estritamente limitado no tempo. Esperamos que dure cerca de dois anos, dependendo do tempo que demore a preparar e implementar os novos processos e sistemas que vão modelar a futura parceria. Também é necessário tempo para pôr em prática o novo sistema que irá permitir aplicar o futuro sistema de imigração do RU. Por isso, durante o período de implementação, os cidadãos continuarão a poder vir para o RU viver e trabalhar. Haverá no entanto um sistema de registo, como existe em Portugal para cidadãos britânicos, que será essencial na preparação para o novo regime.
A quarta ronda de negociações decorreu esta semana em Bruxelas. Como disse o ministro David Davis no início da semana, o discurso de Florença oferece a liderança e a flexibilidade necessárias para fazer desta negociação um sucesso.
Esta ronda muito importante teve como base o trabalho técnico feito nas rondas anteriores e as propostas apresentadas no discurso de Theresa May. Foi uma semana intensa, mas houve progressos consideráveis nas questões que importam. Sobre cidadãos, o RU afirmou estar preparado para dar aos cidadãos da UE já estabelecidos no país, uma garantia vitalícia para poderem regressar ao RU, desde que haja reprocidade para cidadãos britânicos nos países da UE. Na prática, isto significa que um cidadão da UE com settled status no RU poderá sair e depois regres-sar ao RU como e quando desejar. É uma proposta ousada e importante que esperamos que a UE analise cuidadosamente.
Demos também garantias aos parceiros europeus quanto às obrigações financeiras mútuas e acordámos alguns dos princípios fundamentais sobre as questões relacionadas com a Irlanda do Norte e a Irlanda. Procurámos também dar mais confiança a cidadãos e empresas. Por exemplo, chegámos a acordo com a Comissão para proteger os atuais direitos e procedimentos aplicáveis aos cidadãos da UE no RU e aos cidadãos britânicos na UE, no que respeita aos serviços de saúde. Fizemos progressos na clarificação de questões técnicas e disposições sobre direitos de segurança social e trabalhadores fronteiriços. E o RU deu garantias adicionais sobre como os cidadãos da UE no RU poderão requerer um novo estatuto - quando sairmos - procurando tornar esse processo tão simples quanto possível.
De um modo geral, foi mais uma semana produtiva em que o RU continuou a mostrar flexibilidade e imaginação para nos aproximarmos de um acordo em várias questões importantes. Esperamos que a UE demonstre também flexibilidade a fim de proporcionarmos aos cidadãos da UE e aos britânicos as garantias que merecem.
E se a nossa saída da UE é inevitavelmente um processo complexo, é do interesse de todos que estas negociações sejam bem sucedidas. Queremos ser o parceiro futuro mais próximo de uma UE forte e um parceiro cada vez mais próximo de Portugal.
Embaixadora do Reino Unido em Portugal