Brexit e controlo direto de Londres ensombram voto na Irlanda do Norte
Os eleitores na Irlanda do Norte vão hoje a votos para eleger os deputados do Parlamento e consequentemente o governo de Belfast, mas as relações cada vez mais tensas entre os dois favoritos - o Partido Democrático Unionista (DUP, na sigla inglesa), pró-britânico, e os nacionalistas do Sinn Féin, favoráveis à ideia de uma só Irlanda - abrem caminho à hipótese de um retorno ao controlo direto de Londres. Numa altura em que o Reino Unido prepara o divórcio da União Europeia, isso significaria perder uma voz nas negociações do brexit, que vão determinar o futuro da Irlanda do Norte.
Ao abrigo dos acordos de Sexta--Feira Santa que, em 1998, puseram fim a três décadas de conflito, o governo tem de ser de partilha de poder entre o partido unionista e o republicano mais votados. Nas eleições de maio de 2016, o DUP elegeu 38 representantes, mais dez do que o Sinn Féin. Arlene Foster tornou-se primeira ministra (first minister) e Martin McGuinness vice-primeiro ministro. Tudo mudou em janeiro, quando McGuinness se demitiu por Foster recusar afastar-se enquanto estava a ser alvo de um inquérito por causa de subsídios energéticos que podem custar milhões aos cofres públicos. Isso obrigou à convocação de eleições antecipadas.
Segundo as sondagens, o DUP de Foster e o Sinn Féin, agora liderado por Michelle O"Neall (McGuinness anunciou a reforma por motivos de saúde), deverão voltar a ser os mais votados (há só um ponto percentual a separar ambos). Mas os nacionalistas continuam a exigir a saída da primeira-ministra por causa do escândalo "dinheiro por cinzas" - cujo inquérito na realidade ainda não começou - e há outros temas que geram divisão: o DUP, ao contrário do Sinn Féin, fez campanha pelo brexit (o "não" à saída da União Europeia acabaria por vencer na Irlanda do Norte com 58%) e os nacionalistas defendem um estatuto igual para o irlandês e o inglês, que os unionistas recusam totalmente.
A campanha ficou marcada pelas divisões e pela ideia de que será impossível DUP e Sinn Féin chegarem a acordo para formar governo no prazo previsto pela lei (três semanas). Isso poderá obrigar à convocação de novas eleições ou simplesmente o retorno ao controlo direto de Londres - a última vez, entre 2002 e 2007. Foster acusa o Sinn Féin de procurar isso mesmo, de forma a minimizar a influência do DUP nas negociações sobre o brexit e sabendo que os nacionalistas poderiam discutir diretamente com as autoridades da República da Irlanda.
A líder dos unionistas alertou também para o que representaria ficar atrás nas eleições: "Gerry Adams [líder histórico] e o Sinn Féin iriam aproveitar uma vitória eleitoral para reivindicar a posição de que a fronteira do Reino Unido e da União Europeia deve ser o mar da Irlanda", escreveu Foster num artigo no Belfast Telegraph. Segundo os Acordos de Sexta-Feira Santa, o secretário de Estado do Reino Unido para a Irlanda do Norte é obrigado a pedir um referendo se houver a indicação de que uma maioria das pessoas quer fazer parte de uma só Irlanda. Para Foste, mesmo se o referendo não fosse bem-sucedido, isso seria desestabilizador para a região.
Nestas eleições, em vez dos 118 deputados, serão eleitos só 90 - uma redução que já estava prevista para cortar custos. À espera de poder surpreender estão o Partido Unionista do Ulster, de Mike Nesbitt, e o Partido Social Democrata e Trabalhista, de Colum Eastwood, desejosos de voltar ao lugar que perderam no início do século como os mais votados entre unionistas e nacionalistas.