Brexit ainda não mudou a vida dos emigrantes

Cinco meses depois do referendo britânico, comunidade portuguesa não esconde preocupações com o futuro. Incerteza sobre os<em> timings</em> da saída da UE não ajuda.
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Há cinco meses que não se fala noutra coisa e é raro o dia em que a "tempestade" brexit não faz manchetes nos jornais ou não abre noticiários televisivos. No dia 23 de junho, 51,9% do eleitorado decidiu que o Reino Unido deveria sair da União Europeia. Mais de 17 milhões de britânicos consideraram que o melhor para o futuro do país era abandonar o grupo dos 28.

Quase meio ano passado, pouco ou nada ainda de sabe acerca do quem vem por aí. A incerteza quanto ao futuro é aliás o principal problema, não só para britânicos, mas também para os emigrantes portugueses no Reino Unido.

Vera Cruz, a viver em Londres há três anos, disse ao DN que, apesar de a sua vida não ter mudado "absolutamente nada", vivem-se "momentos de incerteza" em relação ao futuro. "Mas isso não alterou em nada os meus projetos. Deixa-me triste perceber que há tantos britânicos que não reconhecem o contributo da imigração neste país", acrescenta.

Opinião semelhante tem Pedro Machado, que se mudou para Londres há dois anos e meio. Ao DN, o gestor de vendas e especialista em alfaiataria diz que para já nada mudou na sua vida: "Vim para Londres com o intuito de viver uma experiência e na expectativa de singrar profissional e pessoalmente. Essa expectativa mantém-se. Os planos não foram feitos a longo prazo. A ideia era aproveitar as oportunidades que fossem surgindo e ir construindo uma realidade. Não vim com o sonho de comprar casa cá ou lá, o carro, ter filhos. Vim experimentar e aprender. O brexit é só mais um fator e não um todo."

Apesar de, para a maioria, a vida seguir como dantes, a verdade é que é cada vez mais difícil esconder ou evitar preocupações. O governo britânico não avança com planos e parece focado na discussão entre um soft-brexit ou um hard-brexit, ou seja, com ou sem acesso ao mercado único. "Preocupa-me obviamente toda a questão económica e as consequências para as empresas e, consequentemente, para o meu trabalho", disse ao DN Nuno Lopes, engenheiro numa empresa de petróleo e gás natural.

Já para Pedro Machado, o mais inquietante é o impacto que o brexit poderá ter a nível global. "A saída do Reino Unido da União Europeia preocupa-me, não apenas num sentido local mas também a nível global e humanista. É mais uma forte prova de que a globalização não passou apenas de um conceito romântico do final dos anos 90. Como se diz em bom português, "isto é tudo muito bonito mas é cada um na sua casa". Pelo menos até se precisar do sal ou do ramo de salsa da vizinha", sublinha o gestor de vendas.

Além das consequências económicas, muitos são os que se preocupam com as implicações sociais da saída do Reino Unido da União Europeia. Depois de uma campanha marcada pela demagogia, xenofobia e várias mentiras, algumas comunidades imigrantes sentiram na pele a ira dos britânicos menos formados e informados. Os polacos - uma das maiores comunidades estrangeiras no Reino Unido - foram o principal alvo e o seu centro comunitário em Londres foi mesmo vandalizado.

Paulina Mistzal trocou Lisboa por Londres há cinco anos. Em conversa com o DN, em português fluente, esta polaca de 32 anos é peremptória na condenação dos ataques à sua comunidade e realça que "qualquer forma de agressão ou de violência, deve ser punida." Para esta gestora de tecnologias de informação, o que é preciso é "promover a tolerância e a abertura de espírito."

No dia 3 de novembro, a discussão em torno do brexit teve novo e importante desenvolvimento. O Alto Tribunal de Justiça, onde as questões constitucionais são debatidas e analisadas, decidiu que o governo britânico não podia, sozinho, accionar o artigo 50.º do Tratado de Lisboa e assim dar início formal ao processo de saída da União Europeia. Os juízes consideraram que o Parlamento tinha uma palavra a dizer e que a ativação do artigo teria, primeiro, de ser aprovado pelos deputados britânicos.

"Este facto servirá apenas para adiar o brexit, nunca para o anular", realça Vera Cruz. Nuno Lopes concorda e acrescenta que "está a tentar ganhar-se tempo até novas eleições e aí sim quem vencer terá que assumir ou não a decisão firmemente."

Quem não gostou da decisão foi o governo britânico que, de imediato, anunciou que iria recorrer para o Supremo. Mas os danos estavam causados e dificilmente tal decisão não terá impacto nos timings definidos pelo governo, já que o dia 31 de março de 2017 era a data escolhida pela primeira-ministra Theresa May para invocar o artigo do Tratado de Lisboa.

A decisão judicial teve ainda outro tipo de consequências. Os juízes do Alto Tribunal de Justiça tornaram-se alvo de fortes críticas por parte dos políticos e dos jornais britânicos que defenderam a saída da União Europeia. Alguns foram mesmo achincalhados e viram as suas vidas pessoais expostas publicamente.

Um comportamento que chocou até os britânicos, como é o caso de Nathaneal Sansam. "Apesar de o ministro da Justiça ter condenado as difamações contra os juízes, a primeira-ministra não o fez, o que pode criar um precedente preocupante", realça. Este jovem produtor destaca ainda a ironia inerente à reação dos que condenaram a decisão judicial: "Queriam sair da União Europeia para que o Parlamento britânico fosse soberano. Mas agora essas mesmas pessoas não querem que o Parlamento se pronuncie sobre o assunto".

Como se situação já não fosse suficientemente complicada, os deputados da Escócia e do País de Gales querem também ser ouvidos no processo de ativação do artigo 50. Na sexta-feira, o Supremo autorizou ambos os parlamentos a apresentarem os seus casos separadamente ao tribunal, para que este analise se podem ou não ter também algum tipo de intervenção no acionamento do artigo. Uma decisão vista por muitos como mais um revés para a estratégia da primeira-ministra Theresa May.

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Londres

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