Brasileiros insistem em Portugal apesar do custo da habitação e da inflação

Os brasileiros representam 31 % da população estrangeira em Portugal, 233 mil. Inclui os 39 mil que obtiveram a autorização de residência já este ano. Ao contrário dos anos 80 do século passado e do início deste, chegam vários perfis sociais, que tentam manter-se no país apesar das dificuldades. Em prol da segurança, que dizem ser a principal vantagem.
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A comunidade brasileira representa 31% da população estrangeira em Portugal, 233 mil. Inclui os 39 mil que obtiveram a autorização de residência já este ano, o que significa que o fluxo se mantém. Apesar da desilusão com a habitação cara, as dificuldades em encontrar trabalho, os baixos salários e a inflação. E alguns têm de pedir apoio para regressar. Esses pedidos aumentaram, mas a percentagem de brasileiros até é menor. Têm aqui segurança, o que falta no seu país. E chegam todos os tipos de perfis sociais.

Nos últimos anos tem havido um crescimento da comunidade brasileira, o que "se deve à melhoria das condições de vida" em Portugal, mas também "à situação política no Brasil", observa Cyntia de Paula, presidente da Casa do Brasil de Lisboa. São muitos os que lhes batem à porta, sobretudo para tratarem da regularização. O perfil social é variado, ao contrário do que acontecia com os anteriores fluxos.

Nos anos 80 do século passado, chegaram alguns brasileiros, quadros e com formação superior, nomeadamente dentistas e da área de marketing. No final desse século e início do XXI, vieram muitos imigrantes sem qualificação e que encontraram trabalho nos serviços, construção civil e restauração. Ultimamente, assiste-se a uma mistura das classes sociais.

Há uma camada de fluxos mais qualificados, que inclui as pessoas que vieram para investir. A situação económica no Brasil incentivou estes grupos mais qualificados e endinheirados a estabelecerem-se em outros países, em especial em Portugal, devido à língua e por estar no espaço europeu", explica o demógrafo Jorge Malheiros.

Também o número dos que vieram para estudar é considerável. A partir de 2009, diz Cyntia de Paula, Portugal entrou na rota dos estudantes brasileiros. Vieram para concluir o Ensino Superior, fazer um mestrado ou um pós-doutoramento. Segundo as estatísticas oficiais do Ensino Superior, os brasileiros representavam um terço (32,8 %) dos 50 mil estudantes estrangeiros inscritos no ano letivo de 2020/2021.

Por outro lado, as divergências com a governação de Bolsonaro motivaram a migração de pessoas mais politizadas. Alguns, em Portugal, organizaram-se em coletivos, representando nomeadamente a comunidade LGBTI+. Basta ver a duplicação de inscritos em Portugal para votar nas últimas eleições presidenciais brasileiras (80 896). Preferiram Lula da Silva (toma posse amanhã), quando há quatro anos foi Bolsonaro a ganhar.

Destaquedestaque757 252 imigrantes

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) contabiliza 757 252 imigrantes com autorização de residência em 2022, o que representa um aumento de 7,7% comparativamente a 2021. Os brasileiros são 233 138, 31% do total. Os britânicos, que estão em segundo lugar, somam apenas 36 639. O SEF emitiu 113 090 novas autorizações de residência, com a comunidade brasileira a representar 34 %. Trata-se da conclusão do processo de regularização de um imigrante, o que tem demorado dois a três anos.

Este ano, "acentuaram-se dinâmicas que se tornaram mais explícitas e evidentes a partir da crise financeira [2008-2012]". A pandemia apenas teve um "efeito de amortecedor", refere Jorge Malheiros. "Mantém-se o fluxo muito significativo da comunidade brasileira, até porque as redes sociais estão estabelecidas. Há necessidade de mão-de-obra em Portugal e a imigração brasileira consegue suprimir carências das áreas mais qualificadas às menos qualificadas".

Era uma imigração muito feminina e está cada vez mais equilibrada na distribuição por sexos. Está mais espalhada pelo país como acontece, aliás, com as outras nacionalidades. Os brasileiros continuam com maior presença nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e no Algarve. E tornaram-se mais visíveis em cidades intermédias, como Braga (8862 ), Setúbal (5177), Leiria (4110), Coimbra (3491) e Aveiro (2941), dados do SEF por concelho.

"Há emprego, há quem esteja a trabalhar à distância e beneficiam dos custos mais baixos, designadamente ao nível da habitação. São cidades com qualidade de vida, ou seja, já são suficientemente atrativas para os imigrantes", sublinha o especialista em migrações.

A dirigente associativa salienta a vinda de muita gente com qualificações, não só académicas como profissionais. Pessoas com 20/30 anos de experiência profissional e que esperam trabalhar na sua área, embora poucos o consigam. E há os empreendedores, que montam o próprio negócio. Além dos que, tendo empresas no Brasil, as conseguem gerir a partir de outro país.
"Houve uma outra transformação a nível mundial: o acesso à informação tornou-se mais fácil. As redes sociais têm um papel importante, para o bem e para o mal. Portugal está mais visível no Brasil, por um lado; por outro, há uma imagem fantasiosa do país, que muitas vezes é errada", alerta Cyntia de Paula.

Os reais que juntaram no Brasil tornam-se muito pouco dinheiro quando trocados em euros. A habitação é cada vez mais cara - incluindo nas cidades pequenas - e nem sempre é fácil conseguir um vínculo contratual. "Trabalho até há, as pessoas têm conseguido emprego, o problema é a precariedade, os salários baixos, estão sem contrato de trabalho ou com recibos verdes", denuncia a presidente da Casa do Brasil. Acresce os atrasos na obtenção da documentação, também a dificuldade de acesso aos serviços públicos. Além disso, "ainda há muito racismo estrutural e preconceito, nomeadamente em relação à mulher brasileira".

Destaquedestaque832 brasileiros pediram apoio para regressar

Este ano, 832 brasileiros pediram ajuda à missão portuguesa da Organização Internacional para as Migrações (OIM) para regressar ao Brasil, constituindo 89,7 % dos pedidos (928 no total). Consiste num apoio ao regresso voluntário e à integração, o pagamento das viagens e, em alguns casos, um pequeno subsídio para viverem inicialmente no país. Receberam esse apoio 313 brasileiros, o que representa 93,2 % dos estrangeiros financiados pelo programa.

São três os fatores que os levam a pedir ajuda, segundo Vasco Malta, o chefe da missão portuguesa. "Desemprego e dificuldade no acesso ao mercado de trabalho, dificuldades na regularização e situação económica. Todos os pedidos registados apresentam um destes fatores ou vários em articulação. Verifica-se também uma preparação do processo migratório muito incipiente que não vai de encontro à realidade económica e social de Portugal, onde o custo de vida aumenta, o preço da habitação idem e as pessoas veem-se muito rapidamente numa situação de risco de vulnerabilidade".

O número de pedidos sofreu um crescimento de 20% em relação a 2019 e 2020, anos em que se situaram nos 710 e 772 , respetivamente. O ano passado foi atípico, já que as solicitações baixaram para 288. Os técnicos da OIM justificam que pode dever-se à situação pandémica da covid-19 no Brasil e os brasileiros não se sentiam seguros para regressar, apesar de todas as dificuldades que encontraram no país de destino. Representam mais de 90% destes pedidos - em 2021 eram 76%; no ano anterior 89,7 %.

Jorge Malheiros não acredita que a chegada de Lula da Silva ao poder tenha grande impacto nestes fluxos. "A imigração é um fenómeno multicausal. Tal como aconteceu com os portugueses que emigraram durante a crise financeira, há a componente económica, que é muito importante e, depois, há o lado político. A mudança política pode fazer com que alguns regressem, mas será um pequeno grupo mais entusiasmado com a eleição de Lula. É preciso que existam as condições financeiras e isso não se irá verificar nos primeiros meses".

"Andar na rua sem ter que olhar por cima do ombro a cada 30 segundos"

Alice Sena, 36 anos, chegou a Portugal em 2018. Vive em Estarreja com o pai, que deixou o Brasil quando se reformou. Ela formou-se em Design Gráfico, com a especialidade em projetos editoriais. Decidiu fazer o mestrado em Design na Universidade de Aveiro, o sétimo distrito em número de brasileiros no país, segundo dados do SEF. Trabalha numa ourivesaria para pagar os estudos e manter-se. Vivia em Minas Gerais, tinha uma loja de venda online e fazia trabalhos na sua área como freelancer, alguns dos quais mantém em Portugal.

"Precisava de fazer alguma coisa para melhorar o meu currículo e o passo seguinte era o mestrado. Como o meu pai tinha vindo para Portugal, decidi vir. Estudar aqui também foi uma questão de segurança", conta Alice Sena.

A pandemia atrasou a conclusão do mestrado. Falta apresentar a dissertação e finalizar o pagamento da formação, que custou 5500 euros. Candidatou-se a uma bolsa de estudo mas não teve sucesso: "Não é fácil". Ganha praticamente o salário mínimo, a sorte é não ter que pagar renda de casa.

Arrependida? "Não", responde prontamente. "Encontrar emprego, casa, ter as coisas necessárias para se estabelecer num outro país, é complicado, mas fui sempre bem tratada nos contactos que tive. E encontrei outro mundo. Encontrei paz, qualidade de vida. Conseguir andar na rua sem ter de olhar por cima do ombro todos os 30 segundos é uma sensação única. Só aqui é que percebi que no Brasil estava alerta 24 horas por dia. Caminhar à noite junto à ria de Aveiro, com o telemóvel no bolso, sem ter que olhar para trás, não há nada que pague isso", sublinha.

Não saía à noite em Minas Gerais, apenas de carro e para sítios com estacionamento pago. Apanhar um táxi ou similar só acompanhada. Não pensa em regressar. Quer acabar o mestrado e espera encontrar um trabalho na sua área.

"O difícil não é chegar a Portugal, o difícil é manter-se"

Paulo Augusto, 35 anos, e Keila Mendes, de 40, de Belo Horizonte, planearam imigrar antes da pandemia, em 2019. A covid-19 atrasou o processo dois anos. "Com o enfraquecimento da pandemia, surgiu outra oportunidade".

Um amigo que esteve emigrado em França 10 anos regressou ao Brasil, mas não ficou. Voltou a emigrar, desta vez, para a Bélgica. Perguntou ao casal se não gostariam de vir para a Europa, disseram que sim, mas para Portugal por causa da língua. Um amigo desse amigo, que vivia em Pombal (Leiria), arranjou-lhes casa e trabalho para o Paulo. Foi o primeiro a viajar, há um ano. Imigrou com tudo bem planeado. "Perguntava sempre, quanto ganhava, como vivia com o ordenado, não queria ir em ilusões". Ainda assim, não foi fácil.

"Trazia mil euros, o que é muito dinheiro em reais [cerca de 5700 ao câmbio atual]. Paguei a renda, comprei algumas coisas para a casa, fiquei com cinco euros no bolso. Felizmente tinha trabalho e sabia que ia receber ao fim do mês, mas tinha que me alimentar. Quem não vem com trabalho e casa, é cinco vezes mais difícil. No Brasil, 25 mil reais é muito dinheiro, dá para viver um ano. Dá quase dois salários mínimos por mês", conta o Paulo. O salário mínimo é atualmente 1300 reais, 230 euros.

Estava na indústria e veio trabalhar para uma casa de mármores. Ao fim de mês e meio fecharam para férias, também não lhe queriam dar um contrato de trabalho. "É uma grande insegurança, se uma pessoa tem um problema não tem a que se agarrar". Mudou para uma empresa de construção civil, colocam estruturas de betão. Preencheu a "manifestação de interesse" há um ano, aguarda ser chamado pelo SEF.

Keila Mendes veio há 9 meses com as filhas, a Hadassa Sofia, de 9 anos, e a Ana Laura, de 5. "É preciso muita coragem para emigrar, vir para um país tão longe, com um clima diferente - tenho sempre frio -, outra moeda. Portugal tem a vantagem da língua, até para a adaptação das meninas", explica.

Ainda não conseguiu emprego, está limitada pelo horário das filhas, a mais velha sai da escola às 17.00 e a mais nova às 15.30. O marido nunca sabe a que horas chega - às vezes, desloca-se para obras a mais de 150 km de distância. "Estou limitada pelas crianças, mas a mais nova podia ficar mais tempo no jardim-de-infância se for preciso. O ideal seria um part-time. Há muita demanda de trabalho e de mulheres com as mesmas limitações", justifica a Keila.

O que é um problema para quem se quer regularizar, diz. "Quando cheguei podia abrir logo atividade, já não é possível. É preciso um contrato de trabalho para fazer a manifestação de interesse e, para ter um contrato de trabalho, tem de se ter a manifestação de interesse".

Paulo acrescenta: "É preciso demonstrar que se tem meios de sobrevivência. As empresas aproveitam-se disso para pagar menos. E, se uma pessoa sair, tem muita dificuldade em arranjar outro emprego, sobretudo em cidades pequenas. Os patrões conhecem-se todos". Conclui: "O difícil não é chegar a Portugal, o difícil é manter-se, financeiramente e psicologicamente".

Conhecem muitos casais em que apenas trabalha o homem, o que se torna difícil tendo em conta as despesas mensais. Paulo ganha cerca de 1100 euros mensais. Há um ano, diz que havia quartos a 150 euros, agora o mínimo são 250, e os preços da alimentação não param de subir. Consideram ter tido sorte em encontrar uma casa por 350 euros, o rés-do-chão de uma vivenda, com cozinha, sala e dois quartos, também um quintal com churrasqueira, a 4 km do centro da cidade. Senhorio e inquilinos estão satisfeitos: "Há um grande respeito". Começaram há pouco tempo a fazer pizzas para fora, chama-se "Pede Mais".

Querem ficar em Pombal. "A zona onde moramos é muito tranquila. E, em Portugal, há segurança, organização e qualidade de vida, mesmo para quem recebe o salário mínimo. O Brasil tem isso mas apenas para quem tem dinheiro", justifica Paulo.

Há muitos brasileiros na cidade, alguns juntaram-se em sua casa no Natal. Leiria é o 6.º distrito do país com mais brasileiros. São evangélicos, igreja onde irão festejar a passagem para 2023.
Keila acrescenta que Portugal não é o El Dorado como anunciam muitos youtubers. "Estou satisfeita. Dentro do possível, temos conseguido caminhar, não é fácil, mas estamos a trabalhar para isso".
Regressar ao Brasil não é hipótese, a não ser que as coisas se compliquem a nível do emprego de Paulo. Ainda mais agora, dizem, que Lula da Silva chegou ao poder. Eram apoiantes de Bolsonaro. Por cá, mesmo "com o futuro incerto", acreditam que os "políticos vão conseguir que o país avance".

"Quero ganhar dinheiro lá fora para abrir um salão em Pombal"

Dionata Silva, 24 anos, também de Minas Gerais, é oposto da família de Paulo e Keila. Bastou-lhe falar com um primo e um amigo, este vivia em Pombal, para decidir emigrar sem fazer grandes planos. Chegou no dia 21 de fevereiro de 2019, vai fazer quatro anos. "Sou cabeleireiro mas não tinha trabalho fixo no Brasil, decidi arriscar. Vim à procura de uma vida melhor".

Começou por trabalhar num cabeleireiro, até teve contrato de trabalho, mas ganhava o salário mínimo e pagavam mais nas obras, 1100 a 1200 por mês. Foi para a construção civil.

Esteve oito meses numa empresa que faz estruturas de betão, viajou pelo país de obra em obra. Foi mudando à procura de melhores condições. Está desde agosto sem ter trabalho certo. Vive de biscates e dos cortes e pintura de cabelos masculinos, em casa dos clientes, serviço personalizado. "Há pessoas que vêm de fora de Pombal para eu cortar o cabelo", orgulha-se.

A imigração não é como imaginava no Brasil, mas não está arrependido. "Passei por algumas empresas boas, mas ainda não consegui um emprego certo. Quando somos imigrantes, temos fantasias na cabeça e, depois, é uma coisa completamente diferente. Mas estou a gostar muito da experiência. Quando vim para Portugal, a ideia era ir logo para outro país, mas gostei logo de estar aqui, das pessoas, da praia. Gosto de ir ao shopping e comprar roupa, quando há dinheiro, claro", justifica Dionata.

Partilha um quarto com um amigo, numa casa alugada a vários brasileiros. Tem amizades na comunidade, também com os da cidade que o acolheu. É o caso da dona Maria José, e família, que conheceu no prédio do primeiro quarto onde viveu. Agora, é visita assídua da casa, faz trabalhos quando a vizinha precisa, ela também o indica às amigas. "É muito certinho", comenta Maria José.

Dionata Silva fez a manifestação de interesse em novembro de 2019. Teve este mês a primeira entrevista para conseguir a autorização de residência, três anos depois.

Espera obter a documentação e ir trabalhar para França, "onde se ganha muito melhor do que em Portugal", argumenta. "Quero ganhar dinheiro lá fora para abrir um salão de cabeleireiro em Pombal".

Ao Brasil, só voltará para ver a família, mas também só depois de ter a autorização de residência em Portugal. Tem muitas saudades, sobretudo da mãe, a quem nunca transmite as dificuldades que por cá se sentem. "Digo sempre que está tudo ótimo, não a quero preocupar".

"Vim por causa dos meus filhos, pela calma e pela segurança"

Thais Cruz, 36 anos, de São Paulo, tem dupla nacionalidade - brasileira e portuguesa -, o que facilita muito a sua vida de imigrante. "Tive acesso fácil a toda a documentação para abrir um negócio. Tive um tratamento diferente dos brasileiros em geral. Sem documentação, é muito complicado", reconhece.

Veio para Portugal há dois anos, para montar um negócio no ramo em que já trabalhava no Brasil, a confeitaria. Durante dez anos, fez doces por encomenda. Fechou a empresa e imigrou. Abriu uma pastelaria artesanal no Bairro Alto, em Lisboa, a que chamou Smor.

"Vim por causa dos meus filhos, pela calma e pela tranquilidade que aqui se vive. Estava muito caótico em São Paulo", explica Thais Cruz. Também não lhe agradava o governo de Bolsonaro. "Sobretudo como tratou do problema da pandemia. E a segurança piorou muito desde então".
Imigrou com toda a família, os filhos, a Eduarda (17 anos) e o Bernardo (15), e o marido, que trabalha em tecnologias.

Chegaram a Portugal em plena pandemia, os preços da habitação não estavam inflacionados como atualmente. Moram em Arroios, os filhos estudam no centro da cidade, têm a vida já organizada. Inicialmente não foi fácil a adaptação na escola. O último ano já foi melhor.

A pastelaria fez o seu primeiro aniversário em novembro. "Está a correr bem. Há um crescimento do número de clientes, no verão temos esplanada, o que é muito bom, as pessoas gostam", conta Thais. Para já, quer estabilizar a clientela deste espaço. Quando acontecer, pondera abrir outra loja.

Entretanto, chamou a amiga Ludmila Andery, de 40 anos, para a ajudar. Também vivia em São Paulo, chegou há um ano. "Vim para apoiar a minha amiga, mas também por questões de segurança", diz. Imigrou sozinha, a filha de 19 anos, ficou. É estudante.

Para Ludmila, ficar ou regressar ao Brasil só depende de regularizar a sua situação no país. "Fiz a manifestação de interesse logo quando cheguei, tenho contrato de trabalho, tudo certinho, aguardo a marcação da entrevista. Mas se os documentos não vierem entretanto sou capaz de regressar em 2023. As saudades são muitas".

Começou por viver em casa da Thais, alugou depois habitação no Barreiro. A adaptação tem sido relativamente fácil, as queixas são para o que classifica de "toda a burocracia" exigida para se regularizar. Mas compensa algum tempo de espera pela segurança que sente ao andar pelas ruas portuguesas. "A principal vantagem é a segurança, andar à noite sozinha, sem preocupação. No Brasil é praticamente impossível", explica Ludmila Andery.

A segurança é, também, o fator decisivo para a família de Thais Cruz ter deixado o Brasil. "Os meus filhos vão e vêm da escola sem problemas, lá estamos sempre preocupados. Não há nada que pague isso".

"Levamos uma mensagem social e política para a rua"

Andreia Freire, 36 anos, preside à União Lisboa Carnaval e Cultura e é cofundadora do Colombina Clandestina, que se apresenta como um "coletivo arrivista independente" baseado em Lisboa.

Recriam o carnaval de rua, contemporâneo e na sua expressão popular e libertária, procurando através da performance artística intervir socialmente e politicamente na sociedade portuguesa.

A formação de base de Andreia é engenharia, fez depois o mestrado em Cultura e Comunicação, tem pós-graduações em Comunicação e Tendências e em Gestão e Marketing. Basicamente, trabalha com a inovação social, uma forma de estar e de viver que tinha no Brasil e que transferiu para Portugal.

Vivia em São Paulo, chegou à capital portuguesa em 20 16 e, no ano seguinte, fundou o coletivo. Este é um dos muitos que se multiplicam pelo país, tendo como protagonistas principais membros da comunidade brasileira.

"Não fazemos um desfile de carnaval", esclarece a ativista. "Fazemos uma performance, em que apelamos à participação do público. A grande diferença são os nossos valores, levamos uma mensagem social e política para a rua. É um carnaval feminista, queer, um carnaval para todos".

O coletivo Colombina Clandestina assenta em três pilares: feminismo, diversidade (comunidade LGBTI+ e outras minorias) e a promoção do espaço público através da arte e da cultura.

"É uma reflexão que levamos para a rua. Em forma de arte, do riso, pretendemos criar uma comunidade junto dos imigrantes que não têm aqui a família e que imigram com as suas economias para encontrar uma vida melhor, uma nova família. Também é uma forma de acolhimento das pessoas que se sentem excluídas. Temos tido uma grande adesão, o público quase duplica de ano para ano", explica a ativista.

O objetivo é, no futuro, ter o reconhecimento da Câmara Municipal de Lisboa e do Governo,, tal como acontece com a comunidade chinesa na celebração em cada Ano Novo chinês.

O coletivo tem cinco anos, considerando ter já alcançado "resultados extraordinários": 17 mil participantes-público e mais de 100 alunos nas expressões musicais. O seu carnaval de rua acontece em cada sábado anterior à festividade, com cortejo entre a Graça e São Vicente de Fora. Consideram que é já "o maior carnaval de rua da cidade de Lisboa".

Atualmente, estão a montar um um espaço próprio, que vai funcionar no no antigo quartel de Santa Bárbara. Esperam inaugurá-lo a 1 de fevereiro.

ceuneves@dn.pt

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