São Paulo "é como um mundo todo" (Caetano Veloso, "Sampa", 1986). Dizem que é uma cidade imensa, densa, complexa, diversa, ao mesmo tempo cosmopolita e recôndita, formal e informal, legitimada e ilegítima, estruturada e desestruturada, uma cidade e uma não-cidade. A minha perceção é essa, mas não a conheço suficientemente. Embora conheça mais do Brasil, ali o meu pouco contato não permitiu conhecer mais desta cidade grande. Há quem diga que uma viagem a São Paulo não está completa sem uma visita ao Museu de Arte de São Paulo (MASP). A minha viagem, porém, apenas se resumiu a este museu, por esta cidade ter servido de escala. Na única noite, alojámo-nos num excelente hotel, por intermediação e oferta da família Untura, meus amigos de Poços de Caldas. Estivemos numa rua paralela à Avenida Paulista, bem perto do MASP. Este foi inaugurado em 1968, com projeto da arquiteta Lina Bo Bardi e por iniciativa do advogado e empresário Francisco Assis Chateaubriand, sendo construído num cobiçado lote no miolo desta avenida, símbolo da pujança de São Paulo. Antes foi o Trianon, nome do "belvedere" projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo, com salões, e onde, a partir de 1916, a elite festejou os seus eventos, até 1951, quando foi demolido para dar lugar a um pavilhão que abrigou a primeira Bienal Internacional de Arte de São Paulo. O Museu tem origens em 1947, quando Chateaubriand e o empresário italiano Pietro Bardi, marido da arquiteta, começaram a formar o acervo que, até 1968, ocupava quatro andares de um prédio no centro da cidade. Durante a visita, passei por dois andares elevados, um térreo, onde fica o vão livre, e mais dois em subsolo. No piso mais elevado, em novembro de 2002, as obras ainda se encontravam nas paredes dessa sala grande. Soube que, anos mais tarde, foram recuperados os cavaletes desenhados pela arquiteta. As obras passaram de um modelo tradicional de exposição, no qual o espectador era levado a seguir uma narrativa linear junto às paredes, para se localizarem no meio da sala, onde parecem estar flutuando, dando liberdade aos visitantes de deambularem no seu próprio caminho e até verem as costas de cada uma. Além do acervo, o MASP também organiza uma extensa programação anual de exposições coletivas e individuais e de conferências e debates. Naquele dia, realizou-se uma feira de antiguidades, com outro tipo de vitrinas, bancas e expositores. Os 74 metros do vão-livre foram pensados como uma praça pública para que a população pudesse desfrutar dos seus sonhos - a vitrina de ilusões.
Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.