Brasil reconhece crimes da ditadura
Presidente brasileiro apresentou o livro 'Direito à Memória e à Verdade'
O Governo brasileiro reconheceu, pela primeira vez num documento oficial, a responsabilidade do Estado nos crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-85). O livro Direito à Memória e à Verdade, apresentado pelo Presidente Lula da Silva na quarta-feira, é o resultado de 11 anos de trabalho da comissão especial encarregue de investigar os crimes do regime, nomeadamente o destino de 479 opositores políticos que morreram ou continuam desaparecidos.
"Queremos contribuir e trabalhar para que a sociedade brasileira feche a página desta história, vire a página de uma vez por todas e que a gente possa construir um futuro com muito mais solidariedade", disse Lula, no Palácio do Planalto, após uma cerimónia em que não estiveram presentes chefias militares. O Presidente afirmou que o reconhecimento dos desaparecimentos, torturas, assassínios e execuções sumárias neste livro de 500 páginas não tem como objectivo qualquer vingança.
Mostrando-se disposto a abrir os arquivos da ditadura militar, Lula indicou que a investigação vai continuar. "A comissão vai ser ampliada, vamos ver quais as dificuldades, preparar novos membros e continuar o debate. É um debate que tem ressentimento, que tem dor e lágrima, mas é preciso fazer pela sociedade e vamos fazê-lo", acrescentou.
O próximo passo, destacou o Presidente, deverá ser a localização dos corpos. "Deveríamos estabelecer um prazo e pensar numa estratégia para podermos saber onde estão, sem expectativa de fazer um processo de vingança", afirmou na véspera do Dia Internacional dos Desaparecidos, que ontem se assinalou em todo o mundo, mas particularmente na América Latina.
Segundo números não oficiais, da Federação de Familiares de Detidos-Desaparecidos da América Latina , existem 90 mil casos no continente. "O desaparecimento não só viola praticamente todos os direitos da vítima, mas também submete os seus familiares a um atroz sofrimento, que se reconhece como equivalente à tortura", indicaram organizações de defesa dos direitos humanos no Uruguai, onde há ainda cerca de 200 casos de desaparecidos. Os números são mais graves em países como Argentina (oficialmente nove mil, mas podem ser 30 mil), Chile (mais de mil pessoas) ou Guatemala (20 mil).