Bradley Wiggins: o doping, o ciclismo e a sentença que lhe calhou
Até há dois anos, Bradley Wiggins, sir, era um inglês modelo. Um campeão. A história era exemplar: ele queria ser ciclista desde criança. Vivia obcecado com os grandes trepadores, contra-relogistas, sprinters. Tinha posters das caras deles colados no quarto. Devia ser, aliás, explica na entrevista ao The Guardian, o único adolescente de Kilburn a ter um quarto assim.
Mas Wiggins queria sair do noroeste de Londres e ir morar para a Bélgica. A volta à Flandres é um dos marcos da sua adolescência, depois de ter visto Johan Museeuw ganhar a edição de 1993. Museeuw é um dos Ícones (o nome do livro que Wiggins acaba de lançar) que escolheu homenagear: e da mesma forma ignorar que foi um ciclista que admitiu ter usado doping, e ter "competido de uma forma desonesta".
O doping é um ponto de não retorno na vida de Wiggins. Tudo aconteceu pouco depois de se ter tornado um herói britânico - vencendo a Volta França em 2012 e o ouro olímpico no Rio, em 2016. Um grupo de hackers, Fancy Bears, divulgou em 2016 que Wiggins foi autorizado pela sua equipa, a Sky, a tomar um corticosteróide sintético, a triancinolona, proibido pelos regulamentos anti-doping.
Depois foi o caos, conta Wiggins: "A BBC aparece à minha porta e eu deixo de poder levar os miúdos à escola." Mais: "Vemos a nossa família a sofrer e é terrível. Isto quase matou a minha mulher. Ela acabou em terapia por causa disto. Porque é bipolar e teme a vergonha, quando as pessoas estão a olhar para ela o tempo todo."
Já em março de 2018, um relatório do parlamento britânico concluiu que a Sky abusou dos regulamentos anti-doping e permitiu que Wiggins consumisse aquele esteróide antes do Tour de 2012. O medicamento era indicado para tratar a asma do ciclista, e foi-lhe receitado. Mas tinha também o efeito de potenciar o seu desempenho nas corridas.
Isto foi o mais próximo de uma sentença sobre o seu caso. E Wiggins lamenta: "O que eu devia ter feito era matar alguém, porque assim teria direitos. Teria muito mais garantias se fosse um assassino. Não teria havido tantos artigos escritos e eu teria tido um julgamento. Seria considerado inocente ou culpado. Não esta coisa a meio caminho em que não se consegue encontrar uma única prova de culpa minha."
A consequência é grave, e permanente. "As pessoas perguntam-me: "É o Bradley Wiggins?" e eu respondo sempre da mesma maneira: "Já fui". Agora digo: "Eu segui em frente, ele já passou, essa pessoa"."