Botox mal aplicado deixou voz da ópera sem poder cantar

Pálpebras fechadas e músculos das  sobrancelhas caídos são os efeitos secundários mais comuns. Cabeleireiros aplicam-no ilegalmente.<br />
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Usaram botox para perderem rugas de expressão e ganharem uma aparência mais leve e jovem. Porém, o efeito acabou por ser o contrário do pretendido. Uma cantora de ópera que desejava aperfeiçoar a boca, ficou meses sem cantar. Também uma relações públicas "teve uma paralisia acentuada da pálpebra, que se manteve fechada durante quatro meses", conta o cirurgião plástico Zeferino Biscaia Fraga, que acompanhou a recuperação destes casos.

Apesar de ser cada vez mais usado pelos portugueses devido à sua segurança e alta eficácia em atenuar temporariamente as rugas de expressão, o botox pode ter sérias contra-indicações para a saúde quando aplicado incorrectamente. Os médicos denunciam que centros de estética e cabeleireiros estão a aplicar botox ilegalmente.

A impossibilidade de abrir as pálpebras ou a queda dos músculos das sobrancelhas são os efeitos secundários mais referidos pelos médicos contactados pelo DN. Miguel Andrade, cirurgião plástico da clínica de medicina estética Faccia, é outro especialista que refere já ter sido consultado para corrigir as consequências de erros nas aplicações de botox, depois de os doentes receberem "o seu tratamento em centros de estética ou por médicos sem formação em cirurgia estética", explica.

Apesar das complicações que decorrem do relaxamento dos músculos potenciado pelo botox, o problema não estará na segurança do produto, mas no facto de existir quem injecte a toxina sem a especialidade em cirurgia plástica ou mesmo sem ser um profissional de saúde. "Tenho conhecimento de pessoas a quem foi aplicado botox por pessoas de quem não sabiam nada", refere Victor Fernandes, presidente do colégio de cirurgia plástica da Ordem dos Médicos.

De facto, apesar de ainda não ter sido apresentada qualquer queixa à Ordem dos Médicos, Victor Fernandes garante a existência de "um mercado negro" em que o botox é obtido e aplicado de forma ilegal em locais como cabeleireiros ou centros de estética, sem qualquer segurança para o cliente. A lei portuguesa explicita que só se pode comprar a toxina botulínica com receita médica ou, no caso de clínicas médicas, através de uma autorização específica do Infarmed.

Porém, basta uma curta viagem pela Internet para que se consiga encomendar botox de uma qualquer parte do mundo. Para Victor Fernandes, esta pode ser um dos modos utilizados para obter botox de forma clandestina.

A questão é que "tem de se conhecer a dose e a localização onde aplicar a toxina: como é que um cabeleireiro consegue ter conhecimento de anatomia ou fisiologia para saber onde passam os nervos, onde estão os ossos, etc.?", aponta com preocupação Zeferino Biscaia Fraga. Até porque, embora até ao momento não exista qualquer caso conhecido, se o botox "entrar de forma directa na corrente sanguínea pode mesmo parar um órgão vital e provocar a morte", sublinha o cirurgião.

Por enquanto, os efeitos das injecções negligentes da toxina botulínica têm-se mantido nas quedas de pálpebras e sobrancelhas, dificuldades em engolir, inchaço da boca, dores musculares, entre outros. "Apesar do botox ainda não ter atingido o nível de utilização de outros países, o facto de ser cada vez mais conhecido faz com que apareçam mais casos de efeitos secundários, que são transitórios mas incomodativos", alerta Victor Fernandes. A imagem de alguém que sofre dos efeitos secundários do botox mal injectado pode ficar afectada durante meses, trazendo transtornos à vida profissional e social.

Mesmo médicos que não têm especialidade de cirurgia plástica, são apontados pelos colegas como responsáveis por alguns dos erros nas aplicações de botox.

Por esse motivo, Victor Fernandes considera que, para fins estéticos, "só os cirurgiões plás- ticos "deveriam usar a toxina botulínica".

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