Bósnia e Herzegovina. O círculo que agora já não se desfaz

Mala de viagem (24). Um retrato muito pessoal da Bósnia e Herzegovina
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Era uma vez um país chamado Jugoslávia. Pulverizou-se durante e após uma série de guerras civis étnicas e religiosas. A minha única visita foi a Sarajevo, quando a cidade já era, de novo, uma atração turística, embora com remanescências da guerra. Foi reduzida a uma pilha de escombros, quando o exército sérvio a controlou em quase quatro anos. O lembrete mais arrepiante da Guerra dos Balcãs, em Sarajevo, é o Cemitério Sehidsko, com tantas pessoas, muitas ainda jovens, mortas em tão pouco tempo. No topo do cemitério, a vista sobre a cidade é pungente a meus pés e admirável mais além. Olha-se uma cidade aninhada entre montanhas e colinas e situada ao longo do vale do rio Miljacka. Uma vista da cidade de dentro da cidade também tem diferentes pontos interessantes. Levei a referência do Hotel Hecco Deluxe, que ocupa andares do mais antigo arranha-céus de Sarajevo, numa das ruas principais do coração da cidade (Ferhadija). O elevador levou-me para a receção no 9º andar, mas não tem acesso aos andares superiores. O restaurante é no 10º andar, com vistas panorâmicas de tirar o fôlego, para Vječna Vatra, o principal centro da cidade, e sobre o plano de telhados de Sarajevo. Ao descer, percorri a Ferhadija no sentido da catedral católica, edifício ao estilo neogótico, com elementos de renascimento românico do final do século XIX, que felizmente pouco sofreu com a guerra. Na praça, curiosamente, um grupo dançava em círculo. É uma famosa dança, kolo, uma das originais trazidas pelos imigrantes, precisamente no século XIX. Os bailadores dançavam segurando a mão uns dos outros ou ao redor da cintura, em círculo, numa única cadeia, ou em linhas paralelas, consoante o tema musical. Kolo não requer quase nenhum movimento acima da cintura. Segundo o folheto bilingue distribuído durante a exibição, para turista saber, os passos básicos são fáceis de aprender e alguns bailadores mais experientes adicionam diferentes elementos ornamentais, como passos sincopados. O grupo variava consoante os temas musicais. Algumas danças exigiram que homens e mulheres dançassem juntos, outras apenas com homens ou apenas com mulheres. A música é geralmente acelerada. Os trajes tradicionais de dança têm influências múltiplas dos povos que, historicamente, viveram na região ou lhe são vizinhos, como alemães, austríacos, húngaros, italianos e turcos otomanos. Kolo é próprio de festas, inclusivamente casamentos. Curiosamente, as pessoas que assistiam naquela praça também se colocaram em círculo. Há algo particularmente especial e pessoal no círculo e no jeito como a curva deve determinar todos os aspetos das nossas vidas. Com uma dança em círculo, pergunto: - Como é que foi possível acontecer os horrores entre estes povos?

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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