Boris pede desculpa pela festa e coloca-se nas mãos de Sue Gray
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, pediu ontem desculpas por ter participado numa festa nos jardins de Downing Street durante o confinamento, dizendo que acreditava que se tratava de um evento de trabalho. As desculpas são insuficientes para a oposição, que pede a sua demissão, mas o líder conservador recusou esse cenário e disse aguardar o inquérito independente que está a ser feito por uma das mais altas funcionária de carreira dentro do seu gabinete. Boris Johnson parece ter ganho mais algum tempo, mas está agora nas mãos de Sue Gray, não sendo claro se admite demitir-se caso se prove que violou as regras.
"Tudo o que peço é que a Sue Gray possa completar o seu inquérito ao que aconteceu naquele dia e noutros para que todos os factos possam ser estabelecidos", disse ontem o primeiro-ministro no parlamento, não explicando se coloca a hipótese de se demitir caso a investigação conclua que violou as regras. Não há data para o final do inquérito, sendo que Boris Johnson poderá também ter de responder às autoridades policiais que, na mesma semana em que decorreu a festa, terão multado cerca de 800 pessoas em Inglaterra e País de Gales pela violação das regras de confinamento para conter a covid-19.
De quase desconhecida, Sue Gray tornou-se uma das mais importantes pessoas no Reino Unido. Oficialmente com o cargo de segunda-secretária permanente do gabinete do primeiro-ministro, tendo trabalhado com governos conservadores e trabalhistas, Gray assumiu a investigação depois de o principal funcionário de carreira do país, Simon Case, ter sido afastado do inquérito. Isto aconteceu em dezembro, depois de vir a público que também ele tinha estado numa festa no seu escritório durante o confinamento.
Gray trabalha para o governo desde a década de 1970, tendo-se afastado nos anos 1980 para gerir um pub com o marido, em Newry, na Irlanda do Norte. Voltou no fim da década de 1990, tendo chegado a diretora-geral da equipa de Propriedade e Ética no gabinete do primeiro-ministro, assumindo a atual função em março. Investigações à conduta de ministros não são novas para ela, tendo liderado a que terminou na demissão de Andrew Mitchell de responsável pela disciplina parlamentar - envolveu-se numa troca de palavras com polícias e chamou-lhes "plebeus". Gray esteve também na investigação a Damian Green, demitido do governo de Theresa May por assédio sexual e ver pornografia no computador de trabalho.
Gray não tem o poder de sancionar o primeiro-ministro, mas as suas conclusões podem levar os deputados conservadores a pedir uma moção de censura - basta 54 cartas nesse sentido, não sendo público quantas já foram escritas e entregues a Graham Brady, líder do Comité 1922 (o grupo de deputados conservadores que não têm cargos no governo). Caso Boris Johnson perca essa votação, terá então de abandonar a liderança partidária e, consequentemente, a chefia do governo - mas se vencer fica "protegido" de novo voto por um ano. Na eventual corrida a suceder-lhe, há dois nomes: o do ministro das Finanças, Rishi Sunak, e o da chefe da diplomacia, Liz Truss. Esta esteve ontem ao lado de Boris no parlamento, ao contrário de Sunak, que esteve em Devon num anúncio de investimento que vai criar 200 empregos.
Na sessão semanal de perguntas e respostas no parlamento britânico, Boris Johnson não esperou pelas primeiras questões dos deputados para falar daquilo que todos queriam ouvir. "Quero pedir desculpa", disse, reconhecendo que milhões de britânicos fizeram "sacrifícios extraordinários" nos últimos 18 meses e que tem consciência da "raiva que sentem" contra ele e o seu governo por pensarem que "as regras não estão a ser seguidas pelas pessoas que as fazem".
Depois admitiu ter estado na festa para a qual foram convidadas cerca de cem pessoas, através de um e-mail enviado pelo seu secretário privado, com a indicação "tragam as vossas próprias bebidas". Isto numa altura em que as regras de confinamento restringiam os contactos ao máximo e só permitiam que duas pessoas de agregados familiares diferentes estivessem juntas. O assessor de imprensa do primeiro-ministro precisou mais tarde que Boris Johnson não tinha visto o e-mail.
"Quando entrei no jardim pouco depois das 18h00 de 20 de maio de 2020, para agradecer a grupos de funcionários antes de voltar ao meu escritório 25 minutos depois para continuar a trabalhar, acreditava implicitamente que este era um evento de trabalho", afirmou Johnson. "Olhando agora para trás, devia ter mandado toda a gente de novo para dentro", referiu, dizendo que apesar de o encontro poder "tecnicamente cair dentro das regras", milhões de pessoas não o veriam assim, reiterando as "sentidas desculpas".
Os pedidos de demissão vieram das bancadas da oposição - não houve nenhum deputado conservador a desafiar diretamente o primeiro-ministro, mas o líder dos conservadores escoceses, Douglas Ross, disse mais tarde que ele devia demitir-se . No parlamento, o líder do Labour, Keir Starmer, considerou "ofensivas" as desculpas de Johnson: "A festa acabou. A única questão é se o povo britânico vai expulsá-lo, o seu partido vai expulsá-lo ou se fará o que é decente e vai demitir-se." Outro deputado disse que ele só pediu desculpa porque foi apanhado e um terceiro lembrou que foi demitido de dois empregos por ter mentido.
susana.f.salvador@dn.pt