Boris Johnson na mira do antigo conselheiro
O caso começou com uma fuga de informação sobre o segundo confinamento em final de outubro, mas agravou-se na semana passada com a divulgação de mensagens pessoais do primeiro-ministro britânico e a consequente acusação, por parte de uma fonte de Downing Street de que o ex-assessor de Boris Johnson, Dominic Cummings, teria sido o responsável. Sem papas na língua, este partiu para o ataque direto ao antigo chefe e, entre outras coisas, acusou-o de tentar calar o inquérito à primeira fuga de informação por envolver alguém próximo da noiva (que Johnson não queria chatear) e também de querer usar doações feitas para o Partido Conservador para financiar a remodelação do apartamento onde vive.
A guerra de palavras está lançada e todos os dias há novos fogos para o n.º 10 de Downing Street apagar: ontem, o tabloide Daily Mail escreveu (citando uma fonte anónima) que Johnson teria dito, precisamente na altura de aprovar o segundo confinamento, que não aplicaria mais este tipo de medida e que preferia "ver corpos empilhados aos milhares". O primeiro-ministro negou ter feito essa afirmação, com vários ministros a servirem como testemunhas - mas a BBC confirmou com as suas próprias fontes.
O país europeu com mais mortes por covid-19 (são mais de 127 mil) avançou para um segundo confinamento apenas em novembro, sendo que este já era defendido pelos especialistas (e por Cummings) desde setembro. Os críticos alegaram que o então conselheiro de Johnson, que foi um dos arquitetos da campanha do Brexit no referendo de 2016, terá divulgado aos media a ideia de que o segundo confinamento ia avançar de forma a pressionar o primeiro-ministro nesse sentido. O governo britânico acabaria por declarar um terceiro confinamento, já em janeiro.
Na altura da fuga de informação foi lançado um inquérito, mas este parece não ter ido a lado nenhum em seis meses. Num texto no seu site, Cummings escreveu na sexta-feira que Johnson foi informado que nem ele nem o diretor de comunicações tinham sido as fontes da fuga de informação e que tudo apontava para que tivesse sido Henry Newman. Admitindo que isso poderia gerar problemas com a noiva, Carrie Symonds, já que ambos eram "melhores amigos", Johnson teria sugerido acabar com o inquérito - com o conselheiro a dizer que isso não era ético.
Tal como não era ético financiar as obras do número 11 de Downing Street, onde o primeiro-ministro vive, com doações privadas. "Disse-lhe que achava que os seus planos para que os doadores pagassem secretamente as renovações não era éticos, eram tolos, possivelmente ilegais e quase de certeza infringiam as regras sobre a divulgação adequada de donativos políticos se fosse feito como ele queria", escreveu. O Partido Trabalhista já exigiu um inquérito a este caso.
O texto de Cummings foi escrito depois de uma nova fuga de informação, de que o ex-assessor também negou ser o autor. Neste caso de mensagens pessoais entre o primeiro-ministro e o empresário James Dyson que foram divulgadas pela BBC. Nelas, o milionário alega que os funcionários da sua empresa que trabalharam no programa de construção de ventiladores no início da pandemia não deviam pagar taxas extra e Johnson concordou ajudar. Sobre essas mensagens, Cummings escreveu que não se lembra de as ter recebido e que não as tem no seu telemóvel - mostrando-se disponível para o mostrar a quem quiser ver.
O ex-assessor, que alega que já tinha combinado em julho deixar o cargo em dezembro (saiu logo em novembro por causa de vários escândalos, incluindo uma viagem de carro de 400 km em pleno confinamento), mostra-se disponível para colaborar com inquéritos parlamentares sobre a forma como o governo respondeu à pandemia. Deve ser ouvido a 26 de maio. E acusa o primeiro-ministro e o seu gabinete de ficarem aquém dos níveis de "competência e integridade" que o país precisa. Uma sondagem para o The Evening Standard de ontem dava uma queda de 5 pontos na intenção de votos nos conservadores desde março.
Dominic Cummings, de 49 anos, saltou para a ribalta depois de ter sido o diretor da Vote Leave, a organização que fez campanha a favor do Brexit no referendo de 2016 e da qual Boris Johnson foi o principal rosto. Antigo assessor e chefe de gabinete de Michael Gove, quando este foi ministro da Educação (2011-2014), tornou-se conselheiro-chefe de Johnson depois de este chegar a primeiro-ministro, em 2019, tendo sido também mão na campanha que deu a vitória eleitoral ao Partido Conservador.
Mas em Downing Street as suas ideias de reforma do sistema não agradaram a todos e acabaria por entrar em choque com alguns - alegadamente até a noiva do primeiro-ministro. A gota de água foi uma viagem de 400 km que fez até à sua terra natal de Durham, em pleno confinamento por causa da pandemia, o que fez subir os tons dos ataques e levaria à sua saída em novembro de 2020. Nas últimas semanas, tem sido apontado como fonte de inúmeras histórias contra Johnson e criticou diretamente o primeiro-ministro.