Boris quer "novo e melhor" acordo de Brexit e já está a nomear ministros
Boris Johnson já é oficialmente primeiro-ministro britânico, depois de uma reunião com a rainha Isabel II no Palácio de Buckingham. E não perdeu tempo a fazer uma limpeza no governo que herdou de Theresa May, tendo afastado pelo menos metade dos ministros da antecessora e colocado os aliados nas posições-chave do executivo.
Um dia depois de ser eleito líder do Partido Conservador, o antigo presidente da câmara de Londres e chefe da diplomacia foi para o número 10 de Downing Street, onde fez o primeiro discurso ao país. À sua espera, entre vários membros da sua nova equipa, estava a namorada Carrie Symonds.
"Presto tributo à força e paciência da minha predecessora e ao seu profundo sentido de serviço público", disse Boris Johnson, referindo-se a Theresa May, dizendo que há contudo "pessimistas" no Reino Unido e fora que consideram que os britânicos não serão capazes de honrar a decisão do referendo de 2016 e garantir o Brexit. Esses críticos, disse, estão errados. "As pessoas que apostam contra o Reino Unido vão perder tudo, porque nós vamos restaurar a confiança na nossa democracia", acrescentou o novo primeiro-ministro.
"Vamos fazer um novo acordo, um melhor acordo" de Brexit "que vai maximizar as oportunidade de Brexit e ao mesmo tempo permitir-nos desenvolver uma nova e excitante parceria com o resto da Europa, baseada no livre comércio e no apoio mútuo", defendeu Boris, mostrando-se confiante que em 99 dias vão conseguir fazê-lo.
"Mas não vamos esperar 99 dias, porque o povo britânico está farto de esperar. Chegou a hora de atuar, de tomar decisões, de mudar este país para melhor", afirmou, mostrando-se confiante de que o Reino Unido sairá do Reino Unido a 31 de outubro, "sem ses nem mas".
Mostrando-se disponível para voltar a negociar com Bruxelas, o novo primeiro-ministro defende contudo que é preciso continuar as preparações para uma saída da União Europeia sem acordo, "não porque queremos" esse cenário, que considerou uma "possibilidade remota". E lembrou que a saída sem acordo significa não pagar a "conta do divórcio", de 39 mil milhões de libras.
Numa linguagem muito própria, Johnson disse: "Forget the backstop, the buck stops here". Ou seja, pede para se esquecer o mecanismo de salvaguarda para evitar uma fronteira entre a Irlanda do Norte e República da Irlanda, que considerou "antidemocrático", que a oposição acaba aqui. E disse que irá assumir diretamente responsabilidade pela mudança que quer.
Em termos de anúncios de política interna, ainda antes de entrar em Downing Street já estava a dizer que vai corrigir a crise na segurança social de uma vez por todas, prometendo também mais 20 mil polícias nas ruas, aumentar o financiamento das escolas primárias e secundárias, garantir que os britânicos não terão que esperar mais de três semanas para ver um médico e atacar as alterações climáticas e criar empregos na economia verde. Em relação aos impostos, defendeu: "Vamos mudar as regras dos impostos para garantir incentivos extra para investir em capital e pesquisa."
"O meu trabalho é ser primeiro-ministro de todo o Reino Unido", defendeu Boris Johnson, dizendo que irá unir o país. "O meu trabalho é servir-vos, o povo", acrescentou. "As pessoas são os nossos patrões", disse, em referência aos políticos.
Minutos antes, Theresa May tinha feito o seu último discurso como primeira-ministra também à frente do número 10 de Downing Street., antes de se reunir com a rainha para apresentar oficialmente a demissão.
Depois de entrar em Downing Street, onde foi recebido pelos aplausos dos funcionários, Boris Johnson foi rapidamente para uma reunião de segurança, ao mesmo tempo que começavam os rumores sobre quem fará parte do governo, mas principalmente, as confirmações de quem não fará.
A primeira surpresa foi a saída da ministra da Defesa, Penny Mordaunt, que apesar de ter apoiado a candidatura de Jeremy Hunt à liderança do Partido Conservador era vista como uma aposta segura. "Vou voltar para o backbenches [nome dado aos deputados sem cargo no governo] a partir de onde o novo primeiro-ministro terá todo o meu apoio, assim como os meus sucessores na Defesa e Igualdade", escreveu no Twitter. Foi a primeira mulher a ocupar o cargo.
Também o ministro do Comércio Internacional, Liam Fox, anunciou que ia sair do governo: "Infelizmente vou deixar o governo. Foi um privilégio ser ministro do Comércio Internacional nestes últimos três anos", escreveu numa primeira mensagem, dizendo noutras que está orgulhoso do trabalho que fez e agradecer à sua equipa.
O ministro da Economia, Energia e Estratégia Industrial, Greg Clark, também anunciou nas redes sociais que não fará parte do governo. Era outro apoiante de Hunt, além de ter votado a favor de continuar na União Europeia no referendo de 2016 e agora ser opositor a uma saída sem acordo.
A secretária de Estado da Energia, Claire Perry, sai do governo, mas será a presidente da candidatura do Reino Unido a receber a conferência do clima COP26, que vai decorrer em novembro de 2020.
O ministro do Transportes, Chris Grayling, também não faz parte das contas de Boris Johnson, com os media britânicos a dizer contudo que sai a seu pedido.
Também nas redes sociais, o ministro da Educação, Damian Hinds, anunciou a partida. "Foi um privilégio enorme servir como ministro da Educação", escreveu, dizendo que irá apoiar o governo desde o Parlamento.
O ministro da Habitação, James Brokenshire, também está de partida, dizendo que foi um privilégio estar no governo mas que está desejoso de ficar livre da responsabilidade coletiva e focar-se nos assuntos que importam para si e para os seus eleitores.
O ministro para a Escócia, David Mundell, também saiu, dizendo que não estava surpreendido de deixar o cargo. E acabou a mensagem a dizer: "Espero que ainda haja espaço nos backbenches!"
O chefe da diplomacia, Jeremy Hunt, adversário de Boris Johnson na corrida à liderança do partido, também não tem lugar no governo. Ou melhor, não aceitou aquilo que considerou ser uma despromoção, que era a nomeação para ministro da Defesa. "Teria ficado honrado de continuar o meu trabalho mas percebo a necessidade do novo primeiro-ministro escolher a sua equipa. Boris Johnson ofereceu-me gentilmente outro papel, mas após nove anos no governo e mais de 300 conselhos de ministros, agora é tempo de regressar aos backbenches a partir de onde o novo primeiro-ministro terá todo o meu apoio", escreveu. Defende que é tempo de ser "um bom pai", apesar de ter tentado ser líder do partido.
A secretária de Estado da Imigração, Carolina Nokes, também saiu, deixando um aviso ao sucessor de que terá um desafio enorme pela frente. Não era ministra, mas fazia parte do Conselho de Ministros.
O ministro responsável pela ligação com o Parlamento, Mel Stride, também sai ao fim de apenas dois meses no cargo. Tinha substituído Andrea Leadsom, que se demitiu quando May começou a pensar na ideia de um segundo referendo no acordo de saída da União Europeia.
O ministro do Ambiente, Jeremy Wright, também saiu.
Outros ministros já tinham anunciado antes a demissão, ainda antes de May deixar Downing Street: o ministro das Finanças, Philip Hammond, que já tinha anunciado que o faria no fim de semana, o ministro da Justiça, David Gauke; o ministro do Desenvolvimento Internacional, Rory Stewart, e o ministro responsável pelo ducado de Lancaster (fonte de rendimentos da rainha) e pela gestão corrente do governo, David Lidington.
Mas nem todos os ministros que Boris Johnson herda de Theresa May vão deixar o governo -- naquela que os media britânicos já considerou a maior remodelação de sempre de um governo sem que tenha havido mudança de partido no poder. "Não é uma remodelação é um novo governo", escreveu a jornalista da BBC Laura Kuenssberg.
O primeiro a entrar no número 10 de Downing Street foi o até agora ministro do Interior, Sajid Javid, que foi mais tarde confirmado como novo ministro das Finanças. Todos os nomes só são anunciados formalmente após a confirmação da nomeação por parte da rainha Isabel II.
No Twitter, disse estar "profundamente honrado" de ter sido nomeado para este cargo. "Estou desejoso de trabalhar com para preparar a saída da União Europeia, unir o nosso país e preparar a nossa economia para as incríveis oportunidades que temos pela frente".
Também a deputada Priti Patel deu entrada no número 10. Entre 2016 e 2017 foi Ministra do Desenvolvimento Internacional, tendo sido obrigada a demitir-se por causa de reuniões secretas que teve com o governo israelita. Tendo sido chamada tão cedo, suspeitava-se que pudesse ser a nova ministra do Interior, o que foi confirmado.
O ex-ministro do Brexit, Dominic Raab, também foi chamado por Boris Johnson. Ao ser chamado em terceiro lugar era falado para a chefia da diplomacia, o que também se confirmou. É ainda o vice-primeiro-ministro.
Oatual ministro do Brexit, Stephen Barclay, mantém o mesmo cargo que já tinha no governo de May.
Michael Gove, ministro do Ambiente, antigo braço direito de Johnson transformado em inimigo ao ser responsável por travar a sua candidatura à liderança dos conservadores há três anos, também já chegou à residência oficial do primeiro-ministro.
Foi confirmado como chanceler do ducado de Lancaster, responsável pela gestão corrente do governo.
Javid, Raab, Patel e Gove trabalharam com Boris Johnson na campanha do Vote Leave, no referendo do Brexit em 2016.
Ben Wallace, secretário de Estado para a Segurança e o Crime Económico e há muito um apoiante de Boris Johnson, foi promovido a ministro da Defesa.
Wallace foi rápido a despedir-se das pessoas com quem tem trabalhado, ao agradecer aos polícias e oficiais dos serviços de informações. "Temos a sorte de estarmos a salvo por pessoas tão extraordinárias que fazem o seu trabalho sem ser pela glória ou por dinheiro."
A deputada Liz Truss, que durante a tarde elogiava as primeiras nomeações, vai desempenhar o cargo de ministra do Comércio Internacional.
O ministro da Saúde, Matt Hancock, mantém-se em funções. Andrea Leadsom, a ex-líder da Câmara dos Comuns (responsável pela relação do governo com o Parlamento), é a nova ministra da Economia, Energia e Estratégia Industrial. Ambos tinham sido adversários de Boris Johnson à liderança do partido.
Outras mulheres em cargos ministeriais: Theresa Villiers (Ambiente), Amber Rudd (Trabalho, Pensões, Mulheres e Igualdade) e Nicky Morgan (Digital, Cultura, Média e Desporto). A Educação fica a cargo de Gavin Williamson e a Habitação passa para as mãos de Robert Jenrick.
A chegada de Boris Johnson ao Palácio de Buckingham ficou marcada por um protesto da Greenpeace, que quis chamar a atenção para as alterações climáticas. Um grupo de manifestantes pôs-se à frente das viaturas, chegando a travar o carro em Boris Johnson seguia.
Foram contudo rapidamente retirados.
Durante o discurso, também eram audíveis os protestos da multidão, fora de Downing Street.
Nas redes sociais, a mudança foi rápida, tanto na conta oficial de Twitter de Downing Street, como na de Boris Johnson, que já surge como "primeiro-ministro do Reino Unido e líder do Partido Conservador".
Outros partidos já reagiram à nomeação de Boris Johnson. "Boris tem um histórico de quebrar a sua palavra. Podemos confiar para garantir o Brexit a 31 de outubro?", escreveu o Partido do Brexit.
Já depois do discurso, começaram as reações. A chefe do governo da Escócia, Nicola Sturgeon, reagiu no Twitter. "Atrás de todo a retórica do tipo do 'tornar o Reino Unido grande outra vez', o discurso foi uma divagação, o passar a culpa para outro e, para resumir, um pouco divorciado da realidade", escreveu.
Do Labour, o deputado Keir Starmer (ministro sombra do Brexit) defendeu que ter Boris no poder só torna a situação "pior, não melhor". E acrescentou. "Temos que nos manter unidos contra a política que ele representa e fazer tudo o que podemos para garantir que o seu tempo no cargo é o mais curto possível", escreveu no Twitter.
Já o líder do Labour, Jeremy Corbyn, numa reação do discurso de Boris Johnson, disse à Sky News que não consegue ver como é que será possível conseguir o Brexit em 99 dias. "Tudo o que ele ofereceu hoje foi muito bluff sobre como vai conseguir o Brexit até ao final de outubro. Nós certamente precisamos de algo muito mais sério na nossa relação com a Europa assim como para com os problemas de desigualdade neste país", disse.
Mas, questionado sobre se iria pedir uma moção de censura para desencadear eleições gerais. "É preciso ter uma maioria para passar uma moção de censura. Vou apresentar uma quando achar que vamos ser bem sucedidos", acrescentou.
O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, já deu os parabéns a Boris Johnson. Numa curta carta, acrescentou: "Estou desejoso de nos encontrarmos para discutir -- em detalhe -- a nossa cooperação", escreveu.
O presidente russo, Vladimir Putin, também congratulou o novo primeiro-ministro britânico. "Seria do interesse dos nossos países e povos desenvolver relações em vários níveis", escreveu Putin numa carta a Boris Johnson, que foi citada pelo Kremlin num comunicado.
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, também reagiu nas redes sociais. "Estamos desejosos de trabalhar em estreita colaboração com o seu governo. Os nossos países são parceiros e amigos. Continuaremos a cooperar no cenário internacional e no Brexit, para o benefício do povo britânico e espanhol", escreveu em inglês. Sánchez está também em processo de ser nomeado primeiro-ministro, depois das eleições de 29 de abril.