Boris coleciona derrota atrás de derrota mas promete resistir até ao fim
Nesta terça-feira de manhã o Supremo Tribunal britânico considerou ilegal a suspensão do Parlamento do Reino Unido. Esta fora ordenada pela rainha Isabel II a pedido do primeiro-ministro conservador Boris Johnson. O anúncio do veredicto apanhou o chefe do governo em deslocação a Nova Iorque, para participar na Assembleia Geral da ONU, onde discursou ao final da tarde (já madrugada na hora britânica e também na hora portuguesa).
Nessa deslocação, Boris participou ainda na cimeira do clima, reuniu-se com empresários, deu algumas entrevistas e teve um encontro bilateral com o presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Numa conferência de imprensa conjunta, o chefe do Estado norte-americano garantiu a um jornalista que fez a pergunta que o líder britânico não tenciona demitir-se, como exige toda a oposição, em especial Jeremy Corbyn, líder do Labour. "Deixe-me dizer-lhe, eu conheço-o bem, ele não vai a lado nenhum", declarou Trump, tendo Boris confirmado: "Não, não, não."
Citando as suas próprias guerras com o Supremo Tribunal dos EUA, o líder republicano, fã de Boris Johnson, aconselhou o primeiro-ministro britânico a tratar "como apenas mais um dia no escritório" aquele veredicto e o seu impacto. O líder do Partido Conservador, por seu lado, reiterou o que dissera horas antes aos jornalistas em reação à decisão do tribunal: "Nós respeitamos o poder judicial no nosso país, nós respeitamos o tribunal, mas discordo profundamente com a sua decisão. Penso que era inteiramente correto seguir em frente com o plano de um discurso da rainha. Francamente, temos de seguir em frente com o Brexit." O discurso da rainha, tivesse a suspensão do Parlamento funcionado, seria a 14 de outubro. Ao insistir na importância desse discurso, que marca sempre o início de uma nova legislatura, Boris Johnson deixa no ar dúvidas sobre se pretende ou não voltar a pedir uma nova suspensão - embora mais curta - do Parlamento.
Porém, vozes como a do ex-primeiro-ministro John Major, do Partido Conservador, já deixaram um aviso claro: "Nenhum primeiro-ministro deve alguma vez voltar a tratar a monarca ou o Parlamento desta forma." Gina Miller, empresária oriunda da Guiana Britânica que esteve na origem de umas das queixas em tribunal contra a decisão de suspender o Parlamento, afirmou que Boris Johnson deve um pedido de desculpas à rainha Isabel II por tê-la obrigado a suspender o Parlamento. Esta é a segunda vez que Gina Miller ganha em tribunal a um governo britânico. E conservador. A primeira vez foi quando recorreu a tribunal para obrigar o governo de Theresa May a pedir autorização do Parlamento para acionar o artigo 50.º E ganhou. O poder do Parlamento em relação ao Brexit tem vindo a aumentar desde então. Porém, nenhuma maioria alternativa conseguiu ser formada, até hoje, nem para aprovar o acordo do Brexit negociado com a UE27 por May, nem para antecipar eleições, nem para realizar um segundo referendo sobre a saída do Reino Unido da UE.
Como é que Boris Johnson se tornou líder do Partido Conservador?
Após o referendo de 23 de junho de 2016 sobre o Brexit, em que 52% votaram a favor e 48% contra a saída da UE, o então primeiro-ministro conservador, David Cameron, demitiu-se, cedendo lugar à sua ministra do Interior, Theresa May. Esta assumiu o cargo e, tentando legitimar-se nas urnas, perdeu a maioria absoluta que o partido tinha nas eleições antecipadas de 8 de junho de 2017. Já depois de acionar o artigo 50.º para a saída da UE. Esta ficou prevista para 29 de março de 2019. Passando a depender do apoio dos deputados do Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte para conseguir aprovar o que quer que fosse, May negociou um acordo do Brexit com a UE27, que foi assinado em novembro de 2018. Em seguida viu esse acordo três vezes chumbado na Câmara dos Comuns, enfrentou moções de censura, participou em debates infindáveis no Parlamento, foi criticada, insultada e, por fim, face a demissões maciças no governo, demitiu-se em julho deste ano. Abriu-se então um processo de eleição no Partido Conservador para escolher o seu sucessor. Na corrida estiveram dez candidatos, mas, após um processo interno inconclusivo, a decisão passou para os militantes. Numa votação por correio, 160 mil militantes conservadores tiveram de escolher entre dois candidatos finalistas, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de May Boris Johnson e o então ainda ministro dos Negócios Estrangeiros de May Jeremy Hunt. Venceu o primeiro. Em 160 mil militantes votaram 87,4%. Desses, 66% votaram em Boris, 33% em Jeremy. 13% foram votos nulos. Ao suceder a May no n.º 10 de Downing Street, o ex-presidente da Câmara de Londres, que foi jornalista em Bruxelas, avisou: o Reino Unido vai sair da UE a 31 de outubro. Como previsto. Haja ou não um acordo. 31 de outubro é a atual data prevista para o Brexit, depois de dois adiamentos, pedidos por May devido à falta de enquadramento para a saída.
É esse o mantra que Boris repete sempre que pode. Incluindo nesta terça-feira. Após a decisão do tribunal. À sua volta, a aconselhá-lo sobre os embates com o Parlamento, a oposição e a UE, Boris, de 55 anos, tem a aconselhá-lo dois brexiteers radicais. Um é membro do Partido Conservador e líder do thinktank eurocético European Research Group. O outro liderou a campanha do Leave e nem sequer é membro dos Conservadores. Trata-se, respetivamente, de Jacob Rees-Mogg e de Dominic Cummings. O primeiro é ministro dos Assuntos Parlamentares e, recentemente, foi alvo de duras críticas por se deitar nos bancos verdes da Câmara dos Comuns, como se estivesse na praia, sendo acusado de desrespeitar a instituição. O segundo é assessor do primeiro-ministro e chefe de gabinete de facto de Downing Street. Têm chovido apelos à sua demissão, vindos até das figuras mais improváveis, como Nigel Farage, líder do Partido do Brexit, receoso de que a deriva radical de Boris lhe possa retirar os votos que sempre tem conseguido à custa das guerras com a UE.
A fidelidade de Boris a estes dois brexiteers radicais tem-lhe valido fortes críticas e dissidências no partido. George Osborne, ex-ministro das Finanças conservador e atual diretor do jornal vespertino Evening Standard, não se cansou de partilhar na sua conta de Twitter as capas da primeira e da segunda edição desta terça-feira. Numa, Boris surgia como culpado, noutra como primeiro-ministro ausente cuja presença imediata no país é exigida. Osborne, lembra o The Guardian, foi uma das figuras que apoiaram Boris Johnson para a liderança do Partido Conservador e, em troca, Boris sugeriu-o para o FMI.
Porque é que Boris Johnson não conseguiu apoio para convocar eleições antecipadas?
Depois de muita especulação nos media - e até desmentidos vindos do círculo próximo do primeiro-ministro -, Boris Johnson anunciou no final de agosto que pedia à rainha Isabel II a suspensão do Parlamento. Esta assim ordenou. A monarca tem um papel meramente simbólico e todas as decisões do governo são adotadas como sendo suas. As críticas não tardaram. Golpe constitucional, atentado à democracia, deriva ditatorial, de tudo um pouco foi acusado o líder dos conservadores. Em sua defesa, Boris disse que a suspensão do Parlamento é um procedimento normal, mas a oposição logo gritou que fechar o Parlamento durante cinco semanas se destinava a impedir que os deputados legislassem para travar um No Deal Brexit. Quando o Parlamento é suspenso, a legislatura termina, começando uma nova com o discurso da rainha (que, na prática, é escrito pelo governo no poder na altura e que ela se limita a ler). Em guerra aberta com o Parlamento, Boris submeteu, no dia 4, uma moção a propor eleições antecipadas a 15 de outubro (ficando o discurso da monarca previsto para o dia anterior). A oposição, porém, só aceitava eleições em novembro, depois de ficar garantido, através de um novo pedido de extensão do artigo 50.º, que não haveria No Deal Brexit. Assim, a moção foi derrotada. 298 deputados votaram contra, 56 a favor, os restantes abstiveram-se. Boris precisava de uma maioria de dois terços dos Comuns, ou seja, 434 deputados, segundo as regras do Fixed-Term Parliament Act. Cinco dias depois, no dia 9, data em que o Parlamento foi suspenso, voltou a tentar - e a falhar - uma antecipação das legislativas no Reino Unido. 293 deputados votaram a favor da moção de Boris, 46 contra e os restantes abstiveram-se. Na altura, Boris acusou o líder da oposição trabalhista, Jeremy Corbyn, de ter sido o primeiro líder da oposição da história do país a recusar ir a eleições.
Que impacto tiveram as dissidências nos conservadores?
No dia 3, discursava Boris Johnson na Câmara dos Comuns, quando o deputado conservador Phillip Lee desertou: levantou-se da bancada do Partido Conservador e foi sentar-se na do Partido Liberal-Democrata. "Há 27 anos juntei-me ao Partido Conservador e Unionista, liderado por John Major. Desde 2010 tive o privilégio de representar a circunscrição de Bracknell. O partido a que me juntei em 1992 não é o partido do qual saio hoje", escreveu Lee, num comunicado divulgado de imediato pelos media britânicos. "Estou muito satisfeita por receber Phillip nos liberais-democratas neste momento", declarou Jo Swinson, a líder do Partido Liberal-Democrata, numa rápida reação ao sucedido. A deserção de Lee acabou com a maioria dos conservadores nos Comuns. Esta era de apenas um deputado, contando já, para o efeito, com os deputados aliados do Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte. A maioria conservadora ficara, em agosto, reduzida a um deputado, quando, nas eleições intercalares em Brecon e Radnorshire, País de Gales, a candidata dos liberais-democratas derrotou o candidato dos conservadores, com o apoio da oposição. Numa lógica de voto útil.
Entretanto, 21 deputados conservadores apoiaram a oposição na aprovação de duas moções, ainda antes de o Parlamento ser suspenso. Uma diz que, se não houver um acordo com a UE27 até 31 de outubro, o primeiro-ministro britânico deve pedir uma nova extensão do artigo 50.º à UE27 até 31 de janeiro de 2020. Boris Johnson já avisou que não o fará. Antes prefere, disse, "aparecer morto numa vala". A França já fez saber que pretende vetar qualquer novo adiamento do Brexit. Essa emenda, que foi aprovada também pela Câmara dos Lordes, recebeu aval real, tendo sido publicada como lei. A outra moção aprovada pela oposição, com o apoio dos rebeldes conservadores, visa obrigar o primeiro-ministro a cumprir a lei. No entanto, ainda nesta terça-feira, citado pela Sky News, Boris Johnson reafirmou: "Tal como a lei está, o Reino Unido sai da UE a 31 de outubro, aconteça o que acontecer." Ou seja, Boris cumprirá o aprovado naquela moção... ou não.
Muitos dos conservadores que votaram ao lado da oposição anunciaram que já não serão candidatos pelo partido nas próximas eleições. Sejam elas quando forem. Mas a baixa com mais impacto - pelo menos a nível emocional - foi a do irmão de Boris. Jo Johnson comunicou, na manhã do dia 5, que abandona o cargo de secretário de Estado da Economia, da Energia e da Estratégia Industrial e o lugar de deputado por Orpington, a circunscrição pela qual tem sido eleito nos últimos nove anos.
Numa mensagem deixada no Twitter, Jo Johnson, de 47 anos, diz-se dividido entre a família e o interesse nacional. "Foi uma honra representar Orpington durante nove anos e servir como secretário de Estado de três primeiros-ministros. Nas últimas semanas, senti um conflito entre o dever de lealdade familiar e o interesse nacional - é uma tensão que não tem solução e, por isso, é tempo de outros assumirem os meus cargos como deputado e secretário de Estado."
Jo Johnson é, juntamente com Rachel e Leo Johnson, um dos três irmãos de Boris Johnson. Parte da família de Boris Johnson é ativa politicamente, sendo o pai, Stanley Johnson, igualmente membro do Partido Conservador e um antigo eurodeputado que fez campanha pela permanência do Reino Unido na União Europeia no referendo de 23 de junho de 2016. Rachel concorreu sem sucesso pelo Change UK! nas eleições de maio para o Parlamento Europeu, depois de passagens como militante pelo Partido Conservador e pelos liberais-democratas.
O que é que Boris Johnson diz estar a negociar com a UE27?
Ao defender a suspensão do Parlamento, Boris Johnson disse querer negociar, tranquilamente, com a UE27 um novo acordo sobre o Brexit, no que toca ao controverso ponto do backstop, mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda. Apesar disso, várias vozes europeias, do negociador-chefe da UE para o Brexit, Michel Barnier, ao primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, disseram não haver nada de novo.
Barnier, Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, David Sassoli, presidente do Parlamento Europeu, fizeram declarações públicas dizendo que os britânicos não tinham apresentado, até ao momento, novas propostas. No dia 18, Juncker disse acreditar que um acordo com o Reino Unido é "possível e desejável". Mas, perante a determinação do primeiro-ministro britânico de concretizar o Brexit a 31 de outubro, o risco de uma saída de consequências "graves" para cidadãos, empresas e mercados financeiros é "muito real".
Barnier, por seu lado, disse não entender "por que devemos remover o backstop", quando são precisas "soluções legalmente operacionais no acordo de retirada", para "responder com precisão a cada um dos problemas para evitar cada um dos riscos que o Brexit cria".
Para exemplificar a importância da também chamada cláusula de salvaguarda, Barnier apontou "o transporte de animais vivos (...), incluindo qualquer alimento que chegue à Irlanda do Norte a partir da Grã-Bretanha, que entra não apenas na ilha irlandesa no mercado irlandês, mas também no mercado polaco, alemão, luxemburguês ou dinamarquês, mecânica e imediatamente".
É por essa razão que "devemos exercer o controlo que precisamos", explicou o francês, esclarecendo ainda que está em causa a necessidade de "proteger os consumidores, preservar a segurança alimentar, evitar qualquer risco de doenças animais".
"Não temos memória curta", atirou Barnier, numa aparente referência à crise das vacas loucas, que nos anos 80 alastrou pelas explorações agrícolas europeias, depois do surto que teve a sua origem no Reino Unido. Recorde-se que a encefalopatia espongiforme atingiu um pico em 1992, ultrapassando os cem mil casos confirmados, estimando-se que perto de 200 mil animais tenham sido afetados. Mais tarde, em 1995, provou-se que a doença do sistema nervoso das vacas era transmissível a humanos, havendo o registo de 178 mortes, desde então.
"É também do interesse dos cidadãos e consumidores da Irlanda do Norte, bem como de toda a ilha, e dos consumidores do resto do Reino Unido", disse Michel Barnier, referindo-se "às garantias muito concretas" oferecidas pelo mecanismo que tem caracterizado como uma "rede de segurança", pois protege a "paz e estabilidade para a vida e o relacionamento económico" no dia-a-dia da ilha da Irlanda".
Chegou depois o ultimato da presidência finlandesa da UE e do presidente francês Emmanuel Macron. "Ambos concordámos que é já altura de Boris Johnson produzir as suas próprias propostas por escrito - se é que elas existem. Se não forem recebidas quaisquer propostas até ao final de setembro, então é o fim", declarou o primeiro-ministro finlandês, Antti Rinne, após um encontro com o chefe do Estado francês.
Foi então que o governo de Boris Johnson apresentou à Comissão algumas propostas sobre o backstop, por escrito, mas com a condição de que elas não sejam vistas, para já, pelos representantes da UE27, como costuma acontecer. Apesar de tudo, as propostas que Bruxelas classificou como "um primeiro conjunto de conceitos, princípios e ideias" ainda não são suficientes para garantirem "uma solução totalmente viável e legalmente operacional incluída no acordo de saída". Ou seja, nesta fase, os documentos mais recentes, enviados ontem a Bruxelas, não correspondem ainda "a todos os objetivos do backstop".
O que decidiu o Supremo Tribunal e como reagiu o primeiro-ministro?
A presidente do Supremo Tribunal, Brenda Hale, disse que esta suspensão (ou prorrogação) não foi "normal", já que não permitia que o Parlamento desempenhasse as suas funções. "Os efeitos sobre os fundamentos da democracia foram extremos", referiu a juíza. Além disso, considerou que não foi dada "nenhuma justificação" para tal suspensão, lembrando que o normal é esta levar apenas quatro a seis dias. Porém, Boris Johnson pediu uma suspensão de cinco semanas, tendo sido acusado de querer impedir os deputados de debater o Brexit e votar leis para travar uma eventual saída sem acordo a 31 de outubro.
Na prática, os juízes concluíram que o Parlamento não foi suspenso, considerando que o pedido feito por Boris Johnson à rainha para implementar esta medida não teve efeito, logo a autorização que Isabel II deu também não teve.
"O tribunal deve concluir que a decisão de aconselhar a rainha a prorrogar o Parlamento foi ilegal porque teve o efeito de frustrar ou impedir a capacidade do Parlamento de desempenhar as suas funções constitucionais sem justificação razoável", disse Hale, lendo as conclusões do veredicto.
O Supremo Tribunal foi chamado a pronunciar-se sobre se Boris Johnson enganou ou não a rainha Isabel II, quando lhe pediu que aprovasse a suspensão do Parlamento entre 9 de setembro e 14 de outubro, alegando que precisava de tempo para preparar uma nova agenda legislativa. Contudo, os opositores defendem que o verdadeiro motivo era impedir os deputados de bloquearem os seus planos de Brexit.
Enquanto o Tribunal Court of Session, em Edimburgo (Escócia), entendeu que a suspensão era "ilegal" por considerar que o objetivo foi impedir a função dos deputados de escrutinarem o trabalho do governo, o Tribunal Superior [High Court] de Londres rejeitou o pedido de cancelamento da suspensão do Parlamento, que começou na madrugada de 10 de setembro e estava previsto durar cinco semanas, até 14 de outubro, pouco mais de duas semanas antes do prazo atual do Brexit, 31 de outubro.
A juíza Hale considerou desde logo que o tribunal tinha jurisdição para decidir sobre a suspensão do Parlamento, visto que em causa estão os limites da lei. Uma decisão tomada por unanimidade por todos os 11 juízes, que foi contra a decisão do Tribunal Superior de Londres.
A ativista Gina Miller, uma das pessoas que apresentaram a ação judicial, reagiu à porta do tribunal: "A decisão de hoje confirma que somos uma nação governada pelo Estado de direito, e que ninguém, nem mesmo o primeiro-ministro, está acima da lei", defendeu.
Em Nova Iorque, Boris Johnson, que sempre garantira que a decisão de suspender o Parlamento nada tinha que ver com o Brexit, assumiu: "Sou honesto, as coisas não estão facilitadas por este tipo de coisas no Parlamento e nos tribunais. Não vai ser mais fácil conseguir um acordo neste contexto, mas vamos para a frente com isto. Como a lei está neste momento, sairemos a 31 de outubro."
O que disse o speaker dos Comuns e a oposição?
Numa reação ao veredicto do Supremo Tribunal, o speaker da Câmara dos Comuns, John Bercow, convocou os deputados para voltarem a reunir-se nesta quarta-feira, às 11.30. Boris Johnson regressará ao Reino Unido mais cedo, viajando durante a noite. Vindo de Nova Iorque, deverá chegar a Londres pelo meio-dia. Mas, segundo o The Guardian, ainda não é certo se o primeiro-ministro vai comparecer ou não perante o Parlamento. Já a Câmara dos Lordes voltará aos trabalhos às 15.00 desta quarta-feira.
O líder do Labour, Jeremy Corbyn, criticou Boris Johnson, chamou-lhe primeiro-ministro não eleito e desafiou-o a ir a eleições. Mas só depois de estar mesmo garantido que não há uma saída desordenada do país da UE. "O mais alto tribunal decidiu que Boris Johnson violou a lei quando suspendeu o Parlamento, tentou cortar o debate democrático, tentou, mas falhou. Não vai nunca silenciar a nossa democracia ou do povo. O povo falará. Amanhã [quarta-feira] o Parlamento regressará. O governo vai ser responsabilizado pelo que fez. Boris Johnson enganou o país. Este primeiro-ministro não eleito deve demitir-se", afirmou, nesta terça-feira à tarde, o dirigente trabalhista.
O discurso de Corbyn estava previsto apenas para amanhã, último dia da conferência anual do partido, mas foi antecipado para hoje, dada a decisão do Supremo Tribunal britânico. "Este assunto só pode ser resolvido com eleições. Essas eleições devem acontecer o mais rapidamente possível. Depois de ter sido afastada a hipótese de um No Deal Brexit, conforme foi aprovado pelos deputados. O primeiro-ministro não tem qualquer mandato para um No Deal Brexit", acrescentou, enumerando em seguida as possíveis consequências de uma saída sem acordo. Entre elas, o facto de ameaçar a paz na Irlanda do Norte, tal como contida nos Acordos de Paz de Sexta-Feira Santa de 1998. "Um No Deal Brexit é, na verdade, um Trump Deal Brexit", acusou Corbyn, dizendo que o presidente dos EUA está desejoso de ter "o nosso primeiro-ministro no seu bolso de trás". O líder dos trabalhistas diz que Boris quer vender o Reino Unido aos americanos e gritou: "O nosso NHS [sistema nacional de saúde] não está à venda."
No mesmo discurso, Corbyn declarou que só um governo trabalhista pode garantir um novo referendo sobre o Brexit e comprometeu-se a respeitar os resultados do mesmo. Problema: as sondagens dão vantagem aos conservadores. Um inquérito YouGov, realizado entre os dias 19 e 20, dá 30% das intenções de voto ao partido de Boris Johnson, 23% ao Labour de Corbyn, seguido de perto pelos liberais-democratas de Jo Swinson, com 22% das intenções de voto. Na mesma sondagem, o Partido do Brexit de Nigel Farage surge com apenas 14%. Os Verdes recolhem 5% e o Partido Nacionalista Escocês (SNP) 4%.
Horas antes, após conhecer a decisão do Supremo Tribunal, o dirigente trabalhista de 70 anos, já tinha desafiado o chefe do governo, de 55 anos, a demitir-se do n.º 10 de Downing Street. "Convido Boris Johnson, em palavras históricas, a considerar a sua posição. E a tornar-se o primeiro-ministro que menos tempo durou no cargo. [É imperioso] obedecer à lei, tirar um No Deal de cima da mesa, realizar umas eleições que respeitem o primado da lei e devolva o poder ao povo, não usurpe, como fez Boris Johnson."
Para tirar Boris do poder, só a oposição apresentando uma moção de censura contra o seu governo atual, dominado por brexiteers radicais. O problema é que os restantes partidos da oposição, com os liberais-democratas de Jo Swinson à cabeça, não querem ver Jeremy Corbyn como primeiro-ministro. E os rebeldes do Partido Conservador, 21 que votaram ao lado da oposição para forçar uma tentativa de evitar um No Deal Brexit, poderão também não apoiar a ideia. David Gauke, um desses rebeldes conservadores, já indicou que não o fará.
Se os conservadores enfrentam divisões, os trabalhistas não estão em melhor estado. Na conferência do Labour, que começou no dia 21 e termina nesta quarta-feira, dia 25, o partido falhou em aprovar uma moção que defendia uma campanha enérgica pela defesa de um voto popular e pela permanência na UE num segundo referendo. Assim sendo, o partido sai da reunião conforme entrou: o Labour apoia um segundo referendo, mas sem fazer campanha pelo Remain, mantendo-se neutro. Corbyn tem sido acusado várias vezes de, no fundo, não ser contra a saída do Reino Unido da UE.
Os liberais-democratas, em ascensão nas sondagens, aprovaram durante a sua conferência anual, que decorreu em Bournemouth entre os dias 14 e 17, a revogação do artigo 50.º se chegarem ao poder. Ou seja: o cancelamento puro e simples do Brexit. Numa reação ao veredicto do Supremo Tribunal, a líder deste partido, Jo Swinson, afirmou que este só veio comprovar, uma vez mais, que Boris Johnson não tem perfil para ser primeiro-ministro.
Quanto à conferência do Partido Conservador, prevista para entre os dias 29 de setembro e 2 de outubro, em Manchester, muitos se questionaram nesta terça-feira se ela ainda iria acontecer nos moldes previstos, dado o regresso do Parlamento. Alguns comentadores especulavam sobre a hipótese de Boris Johnson voltar a pedir uma suspensão do Parlamento, durante apenas alguns dias, a tempo de se realizar a conferência. No Twitter, o presidente do Partido Conservador, James Cleverly, confirmou que "claro que a conferência vai para a frente".
O que é que esta decisão muda, de facto, em relação ao Brexit?
O regresso do Parlamento significa que os deputados poderão continuar a interpelar o governo com perguntas urgentes aos ministros e inquéritos nas comissões. Com moções de emergência, que, a serem aceites por Bercow, serão debatidas e votadas. Podem continuar a exigir respostas sobre o estado das negociações entre Londres e a UE27 e sobre o grau de preparação do governo sobre o Brexit. Todo o tipo de escrutínio será feito. Mas, à parte do volume político que será gerado em Westminster, pouco ou nada mudará em relação ao Brexit propriamente dito.
Nesse campo, todos os cenários continuam, portanto, em aberto: demissão de Boris Johnson? Novo adiamento do Brexit? Mas pedido por quem? Autorizado por quem? Vetado por quem? Eleições antecipadas? Quando? Em que moldes? Brexit sem acordo? Em violação da lei aprovada pelos deputados? Por acidente? Brexit com acordo? Em que moldes? Que solução credível seria encontrada para o backstop? Seria eficaz? E aceitável para todos? Inversão do Brexit? Através da mera revogação do artigo 50.º? Ou após resultado de novo referendo? E se o resultado voltar a ser o mesmo de 2016? A haver um referendo, seria antes ou depois de haver eleições? São muitas as questões e, de momento, poucas as respostas.