Bordel à chuva e uma falsa despedida

Mau tempo, o frenesim dos Gogol Bordello, a muralha de som dos Dinosaur Jr. e o fim encenado dos Mão Morta marcaram a segunda noite em Paredes de Coura
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Foi um dos maiores aplausos que se ouviram em Paredes de Coura . Faltavam dez minutos para as duas da tarde de ontem quando, no campismo, toda a gente saiu das tendas e, em uníssono, bateu palmas ao astro-rei, que andara longe durante o dia anterior. Renascia da lama a alegria e a fé de um público encharcado que já ponderava voltar a casa mais cedo. Alguns, menos crentes, fizeram-no.


Mesmo assim, horas antes, muitos estavam ainda de pé, assistindo à parede de som dos Dinosaur Jr., cujo concerto, não por culpa deles mas, soube-se depois, da inexperiência dos Architecture in Helsinki (que levaram eternidades no soundcheck), durou até para lá das três da manhã. Talvez por isso, e apesar de J. Mascis, Lou Barlow e Emmett Murph se terem mostrado à altura, ou acima, da história que escreveram nos anos 80, a multidão (que já não era tão multidão assim) parecesse anestesiada. A verdade é que quase dez horas seguidas de música cansam. Mas vale sempre a pena ouvir bom rock, de ontem e de hoje, com solos de mestre, noise, aspereza, autoridade - não fosse assim e nem encore teria havido.


Outro discurso vale para os New York Dolls. Não porque tenham defraudado os fãs (aliás, via-se gente em delírio, a agradecer aos céus - que, insensíveis, respondiam com chuva), mas porque não se mostraram capazes de seduzir quem não o fosse. Sucedâneos de Stones e afins (quer no som quer no look), tocaram também repertório velho e novo, durante demasiado tempo, com o guitarrista Sylvain Sylvain, um verdadeiro pain in the ass, sempre a tentar ter piada. Valeu Personality Crisis.


Sobre os Mão Morta, uma dúvida pairava ainda ontem, para gozo de Adolfo Luxúria Canibal, que anunciou, no palco, "a despedida da banda". Acredite quem quiser. O facto é que, se até aí nenhuma química especial se detectara, depois disso o público eriçou-se como pêlo de gato, a ponto de o vocalista se ter inspirado para o discurso da noite. "Se eu fosse uma espécie de Papa, diria que estais com uma auréola muito estranha, milagrosa, porque, apesar da chuva e da lama, conseguis levantar poeira. Mas que não seja um milagre canonizado, pois então teríamos aqui uma espécie de Fátima, com peregrinações, garrafões e Tonys Carreiras."


Já os Gogol Bordello não precisaram de mind games para enlouquecer a assistência, bastou o frenesim gipsy-punk, com doses iguais de Joe Strummer, The Pogues e Mano Negra - e muita, mais muita, energia, emanada por sósias de Cristo (voz), Marx (violino) e do cozinheiro de Southpark (baixo). Patológico, no mínimo. E, até ver, o melhor espectáculo do festival .


Frustrado saiu o efeito-Arcade Fire que se adivinhava aos Architecture in Helsinki. Estão numa linha de fronteira entre uns Talking Heads e uns Animal Collective, mas ainda às aranhas, verdinhos. Precisam de tempo, trabalho e, já agora, de um técnico de som em termos. Quanto ao indie-rock dos Spoon, passou discreto pelo anfiteatro de Coura.


Parede. Tal como o cabelo de J Mascis, que lhe tapa a cara, o volume de som saído dos amplificadores dos Dinosaur Jr., colocados mesmo atrás do trio, fazia com que, junto ao palco, nada mais se ouvisse do que a guitarra, o baixo e a bateria. Letras, só a umas dezenas de metros.

Improviso. Há sempre aquelas almas mais prevenidas que, mesmo com um sol radioso, levam um impermeável para Coura , não vá o Diabo tecê-las, até porque chover já se tornou hábito. Este espectador, à falta disso, teve de improvisar, valendo-se de um tapete. E ficou bem protegido.

Excessivo. É certo que se apresentavam pela primeira vez em Portugal e que havia no recinto alguns fãs extasiados, mas quem pouco ou nada sabia dos New York Dolls deve ter suspirado de alívio quando saíram do palco, após um concerto longo, feito de memórias e temas recentes.

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