Bons sinais portugueses no Estado do Mundo

Jovens encenadores repensaram o mundo na Fundação Gulbenkian
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Jorge Andrade e Victor Hugo Pontes foram os criadores teatrais portugueses acolhidos no programa multidisciplinar de espectáculos que integra a Plataforma 2 / Mercado das Ideias e Teorias, do fórum cultural O Estado do Mundo, uma iniciativa da Fundação Gulbenkian apresentada no seu edifício sede, ao longo deste mês.

Desempacotando a Minha Biblioteca, de Jorge Andrade, constrói-se em díptico. Na primeira parte, domina o ensaio de Walter Benjamin que deu título ao projecto. Na direita baixa, Fernanda Lapa, sentada à mesa, interpretou o texto com peculiar inteligência expressiva, embora a clareza sofresse com uma locução algo empastada e uma dinâmica vocal insegura. Percebeu-se bem, no entanto, o prazer também físico com que Benjamin fala do livro e da sua posse, propósito desta "Palestra sobre o coleccionador".

As cinco sequências da segunda parte, escritas por Miguel Rocha, pretendiam alcançar o mesmo valor enciclopédico, digressivo e culto do texto de Benjamin, funcionando como alegorias ilustrativas de memórias cruzadas da História e do mundo. Incompreensíveis, porém, os textos falham redondamente este propósito, limitando significativamente os desempenhos. Verdade se diga que a ironia pós-moderna com que o encenador quis jogar se limitou a apontamentos duma estética gay de gosto duvidoso ou à insistência numa tonta histeria interpretativa.
O trabalho de Victor Hugo Pontes partilha com o de Jorge Andrade a nítida influência do conceito de devising, desenvolvido pela companhia inglesa Third Angel no curso de encenação que, em 2004, ambos frequentaram na Gulbenkian. Ensaio parte igualmente de textos teóricos - no caso, de Susan Sontag -, assumidos por um só intérprete como guia de um percurso em torno da verdade das imagens, mormente da fotografia.

A excepcional interpretação de Vítor d'Andrade confere unidade rítmica e de sentido à frenética contaminação de linguagens artísticas do projecto, evidenciando a instabilidade, mesmo física, com que o homem moderno interpreta um mundo saturado de ícones.

Na dramaturgia do encenador e de Madalena Alfaia resiste, todavia, o "setentão" didactismo panfletário de Sontag, evidentemente redutor e desadequado à incandescente liberdade que as artes performativas ganharam com a transdisciplinaridade pós-moderna, cujo eixo é precisamente a pluralidade de discursos com e sobre a imagem...

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