Bombas de fragmentação levam guerra para novo patamar

Perante a hipótese de faltarem munições ao exército ucraniano, EUA cedem e na véspera do 500.º dia de conflito anunciam envio de projéteis proibidos em mais de cem países.
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O presidente dos Estados Unidos autorizou a transferência de bombas de fragmentação para a Ucrânia, uma "escolha triste mas necessária" nas palavras de um ex-conselheiro do exército norte-americano. Cento e onze países ratificaram uma convenção que proíbe o uso destas munições devido à alta taxa de fragmentos que não são deflagrados no momento e põem em perigo as forças de ambos os lados, bem como civis. "Foi uma decisão muito difícil da minha parte", admitiu Joe Biden à CNN. Mas Kiev mostra-se favorável à entrega das munições pelo "extraordinário impacto" nos "já desmoralizados" russos.

Um novo pacote de assistência militar à Ucrânia, no valor de 800 milhões de dólares, inclui pela primeira vez bombas de fragmentação. A decisão de fornecê-las foi descartada durante vários meses, mas Washington acabou por mudar de ideias. Agora passou a ser tida em conta, "especialmente contra posições russas entrincheiradas no campo de batalha".

Acima de tudo, as forças ucranianas têm falta de munições. Isso mesmo foi dito pelo presidente dos EUA, ao comentar a sua decisão, que foi feita após discussão "com os aliados". Os ucranianos estão a ficar sem munições e os stocks dos aliados estão cada vez mais reduzidos.

"Os russos utilizam três ou quatro vezes mais projéteis de artilharia de diferentes calibres do que nós. E nós temos de poupar porque não podemos bombardear com a mesma intensidade", disse o ministro da Defesa, Oleksii Reznikov. "Uma vez que estes projéteis são eficazes, permitir-nos-ão compensar a diferença [na quantidade de munições]".

Citaçãocitacao"Reconhecemos que as munições de fragmentação criam um risco de danos a civis. Mas há também um enorme risco se as tropas e os tanques russos invadirem posições ucranianas porque a Ucrânia não tem artilharia suficiente." Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional dos EUA

O outro argumento é o de que a Rússia já usa aquelas bombas - e contra civis. O ataque russo mais mortífero com bombas de fragmentação aconteceu na estação de comboios de Kramatorsk, em abril do ano passado: matou dezenas de pessoas e feriu mais de cem. Mas a Human Rights Watch diz que as forças ucranianas também já fizeram uso deste tipo de munição.

Moscovo, Kiev e Washington não são signatários da convenção de 2008 que proíbe o uso, armazenamento e transferência das bombas de fragmentação. "Isto é apenas para os campos, porque é muito importante não causar danos à população civil", assegurou o ministro ucraniano.

As bombas de fragmentação, que podem ser lançadas através de aviões, artilharia e mísseis, abrem no ar e libertam fragmentos que se dispersam por uma grande área com o intuito de destruir vários alvos ao mesmo tempo. No caso, os Estados Unidos irão fornecer as controversas munições para projéteis de 155 mm - a medida padrão da NATO.

Segundo a Associated Press, os Estados Unidos têm cerca de três milhões de munições com estas características. Até agora, os EUA enviaram dois milhões de projéteis para os obuses de 155 mm. Só que a elevada taxa de fragmentos por explodir torna-se num problema que pode demorar anos a resolver depois de finda a guerra e pelo caminho matar ou desmembrar civis.

CitaçãocitacaoAs munições de fragmentação são uma arma indiscriminada que representa uma grave ameaça para a vida de civis, mesmo muito depois de um conflito ter terminado. A sua transferência e utilização por qualquer país, em quaisquer circunstâncias, é incompatível com o direito internacional." Amnistia Internacional

O porta-voz do Pentágono, Patrick Ryder, disse que está a ser feita uma "criteriosa seleção" das munições com uma percentagem de fragmentos por explodir não superior a 2,35%.

"Penso que a preocupação com os engenhos por explodir deve existir. Mas deve ser uma preocupação menor em comparação com a necessidade absoluta de expulsar e livrarmo-nos dos ocupantes russos em território ucraniano", disse à Sky News Mark Voyger, ex-conselheiro do exército dos EUA, que resumiu a questão a uma "escolha triste mas necessária".

Para o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, a entrega de armamento é uma decisão de cada governo, enquanto o Executivo francês mostrou-se compreensivo com a medida.

Além das bombas de fragmentação, os EUA vão enviar mais munições para os HIMARS, veículos de combate Bradley e blindados de transporte Stryker. Da ronda efetuada em três capitais antes de viajar até Istambul, Volodymyr Zelensky recebeu notícia de que o seu país vai receber helicópteros de combate checos, obuses eslovacos e um pacote de assistência militar búlgaro - o primeiro - ainda por definir.

cesar.avo@dn.pt

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