Bolton. Os dias de agonia de um dos mais antigos clubes do mundo

Fundado em 1874, o clube inglês luta pela sobrevivência devido a uma grave crise financeira. Chegou a ter a água cortada e cinco meses de salários em atraso. Clube rival ajudou a alimentar os funcionários dos Wanderers.
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Bolton Wanderers, o sétimo mais antigo clube de Inglaterra e um dos mais velhos do mundo, fundado em 1874, está a viver a maior crise da sua história, tendo mesmo em risco a sua sobrevivência. Esteve por um fio, no início desta época, a participação na League One, o terceiro escalão do futebol inglês, por causa das dívidas que estrangularam a sua gestão e que em 2015 atingiam quase 200 milhões de euros.

Recorreu a um plantel composto por jovens formados no clube que agora terá a difícil missão de disputar um campeonato para o qual partiu com 12 pontos negativos, dos quais já recuperou um graças a um improvável empate 0-0 com o Coventry, um dos candidatos à subida, utilizando um onze com uma média de idades de 19 anos. Mas ainda este sábado teve um duro lembrete da sua situação atual, ao sair goleado por 5-0 da visita ao Tranmere Rovers.

O Bolton terminou a época passada no segundo escalão - o Championship - com uma greve dos jogadores devido aos salários em atraso, que implicou a falta de comparência ao jogo, em casa, com o Brentford, da penúltima jornada. Era a face mais visível de um caos que se tinha instalado. Por essa altura, uma dívida de 1,3 milhões de euros ao fisco britânico levou a que fosse nomeada uma administração de insolvência e, de acordo com as regras da liga, a equipa, que já estava despromovida, ficou a saber que seria punida e ficaria com 12 pontos negativos.

O pesadelo tomava conta dos adeptos que há onze anos viram o seu Wanderers fazer frente ao Sporting, em Lisboa, o último dos seus 18 jogos europeus, tendo na altura sido afastados nos oitavos-de-final da Taça UEFA devido a um golo de Bruno Pereirinha. Em maio deste ano, a maioria dos funcionários que trabalhavam no clube nesses tempos de bonança, na Premier League e nas competições europeias, viviam momentos de agonia devido aos salários em atraso e tiveram inclusive de recorrer à ajuda de empresas da cidade e até de um clube rival, que forneceram alimentos a estas famílias. O nome do clube não foi revelado, mas, de acordo com várias notícias, terá sido o Preston North End a entregar aos funcionários do Bolton vouchers de compras no valor de 2100 euros.

Em julho, um comunicado dos jogadores revelava que o proprietário do clube, Ken Anderson, não pagava salários há cinco meses. Além disso, tinha sido cortado o abastecimento de água ao centro de treinos, que teve se ser encerrado. Apesar de todas as dificuldades, os trabalhos da equipa principal para esta época arrancaram, mas os primeiros três jogos de preparação tiveram de ser cancelados porque os jogadores recusaram-se a jogar enquanto não fossem regularizados os salários. Alguns deles foram abandonando o clube, rescindindo os contratos com justa causa.

O desespero dos adeptos e do técnico

A crise, que já se arrasta há alguns anos, foi agudizada quando Ken Anderson vendeu o clube a Laurence Bassini, antigo proprietário do Watford, que no entanto acabou por não apresentar as garantias financeiras para a compra. Anderson viu-se então no direito de vender o clube à empresa Football Ventures, mas Bassini acabou por interpor uma ação judicial que bloqueou o negócio e tem arrastado o Bolton para um imbróglio jurídico sem fim à vista.

Este problema tem irritado os adeptos, que até já colocaram tarjas no estádio em que acusam Ken Anderson de estar a matar clube. Numa reportagem da BBC, Sam Murphy, adepto que pela primeira vez em muitos anos não comprou o lugar anual no estádio, considerou mesmo que "o Bolton deixou de ser um clube de futebol para ser um circo", enquanto outro torcedor ferrenho, Alec Rigby, dizia que agora "ninguém está preocupado com os jogos, mas sim com aquilo que pode acontecer ao clube, pois está em causa a sua existência".

A verdade é que a uma semana de se iniciar o campeonato da League One, o Bolton tinha apenas sete jogadores inscritos e havia a incerteza de que pudesse entrar na competição. Foi então decidido montar um plantel de jogadores das camadas jovens. No comando técnico está Phil Parkinson, que tem sido um autêntico herói, pois mantém-se à frente da equipa pelo quarto ano consecutivo. Num ato de desespero, o treinador lançou um apelo numa entrevista à BBC Radio Manchester: "Senhor Bassini, deixe-nos em paz, por favor. Deixe este grande clube para que possamos reconstruí-lo todos juntos."

O primeiro jogo da época foi com o Wycombe e a derrota por 2-0 acabou quase por ser uma vitória, pois a partida esteve em risco de não se realizar devido às dificuldades do Bolton em provar a sua viabilidade financeira, uma situação que se repetiu no primeiro jogo em casa, que resultou num heroico empate 0-0 com o Coventry, jogo para o qual os bilhetes começaram a ser vendidos apenas 28 horas antes do apito inicial do árbitro. A essa partida compareceram nove mil adeptos para ver uma equipa em que o capitão tinha 20 anos e quatro jogadores tinham apenas 17 anos, sendo um deles o guarda-redes.

O empate encheu de orgulho os adeptos, que encaram esta época como perdida em termos desportivos (a goleada deste sábado, no campo do Tranmere Rovers, veio reforçar a ideia), esperando que o clube, que tem quatro Taças de Inglaterra no seu palmarés, possa sobreviver. Para isso será fundamental que a batalha judicial termine para que seja evitada a extinção de um dos mais tradicionais clubes ingleses, que em tempos recentes teve nos seus quadros jogadores famosos como o brasileiro Mário Jardel, o nigeriano Okocha, os franceses Anelka e Djorkaeff, o islandês Eider Gudjohnsen, o galês Gary Speed, os espanhóis Hierro e Rodrigo Moreno ou os ingleses Gary Cahill e Sam Allardyce, que, além de futebolista, é ainda hoje o treinador com mais jogos no clube.

Pelo Bolton passaram ainda os portugueses Ricardo Vaz Tê, Ariza Makukula, Rochinha e Filipe Morais, que esteve no clube entre 2016 e 2018 e assistiu ao início desta hecatombe, mas que, contactado pelo DN, pediu para não falar sobre o clube.

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