Bolsonaro, polícia e intestinos

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Ainda antes da posse como presidente da República, Jair Bolsonaro encarou um primeiro grande escândalo: a descoberta, durante investigação policial às contas de vereadores do Rio de Janeiro, de que o gabinete de Flávio Bolsonaro empregava funcionários-fantasmas, cujos salários caíam nos bolsos do primogénito. A prática, replicada nos gabinetes do pai e dos irmãos, gerou ganhos milionários.

Debaixo de fogo, Bolsonaro deu entrada logo na semana seguinte num hospital para se submeter a uma cirurgia para "retirada da bolsa de colostomia", em decorrência, segundo o comunicado oficial da Presidência, da facada sofrida em campanha.

Quatro anos depois, já evacuado do Palácio da Alvorada, o agora ex-presidente é pivô de outro escândalo: a Presidência transformou-se num balcão de venda de joias, oferecidas por Governos do Médio Oriente ao Brasil, cujo lucro, em dinheiro vivo, cai nos bolsos de Bolsonaro. A prática, segundo especialistas em diamantes, gerou novos ganhos milionários.

Sob pressão, Bolsonaro internou-se num hospital de São Paulo "para exames, ainda decorrentes do atentado, no sistema digestivo, tráfego intestinal, aderências, hérnia abdominal e refluxo", escreveu um assessor de imprensa, por acaso também convocado pela polícia a prestar depoimento sobre o caso das joias.

Bolsonaro sofre de Síndrome de Münchausen, a doença psiquiátrica em que o paciente, de forma deliberada e contínua, simula sintomas de doenças para desviar atenções? Ou é exagero encontrar relação entre as operações policiais e as operações intestinais?

Os factos respondem. Em setembro de 2019, queimadas da Amazónia colocaram Bolsonaro debaixo do fogo da opinião pública mundial; dias depois, lá entrava ele no hospital para correção de "hérnia" por culpa da facada.

Em setembro de 2020, a revista Crusoé noticiou que o operacional do caso dos funcionários-fantasma depositou cheques na conta de Michelle, à época primeira-dama. Nem os jornais haviam chegado às bancas e já Bolsonaro retirava "cálculo na bexiga" no hospital.

Em julho de 2021, bastou a CPI da Covid revelar que Bolsonaro recusara adquirir vacinas dos maiores laboratórios globais, mas aceitara comprá-las de um escritório de vão de escada, com suspeitas de corrupção no Governo, para o presidente, com soluços há 11 dias, ser internado para tratar de "obstrução intestinal".

Em janeiro de 2022, um dilúvio na Bahia matou 25 brasileiros, mas Bolsonaro não se dignou a interromper as férias. Criticado por todos os lados, engasgou-se com um camarão, segundo assessores, e lá foi tratar de "nova obstrução intestinal".

Em março de 2022, descobriu-se que o ministro da Educação, pastor evangélico, e mais dois pastores íntimos do presidente só soltavam verbas do ministério para prefeitos que aceitassem presenteá-los com barras de ouro. Por coincidência, a facada de três anos e meio antes voltou a fazer das suas e Bolsonaro foi parar ao hospital com "desconforto abdominal".

Já este ano, na madrugada de 9 de janeiro, o ex-presidente foi internado no AdventHealth Celebration, em Orlando, para onde escapara para não entregar a faixa a Lula, com "dores abdominais". O internamento ocorreu horas depois de ver acólitos seus invadirem e depredarem a Praça dos Três Poderes ao vivo nas TV do mundo todo.

Deliberado ou coincidência? Como costuma dizer Carlos Bolsonaro, o 02, nas redes sociais: "Tire as suas próprias conclusões."

Jornalista, correspondente em São Paulo

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