Bolsonaro faz falta

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Na economia, depois da Standard & Poor"s, foi a vez, esta semana, da agência Fitch melhorar a nota do Brasil, tendo em conta "o desempenho económico acima do esperado". O dólar caiu de 5,45 para 4,80 reais desde o início do ano, a Bolsa de Valores teve alta de 3,27% em junho, mês em que a inflação caiu quase um ponto.

Entretanto, a atribuição de créditos do Governo a construtoras, numa reedição do escândalo que levou à Lava-Jato, gera preocupação.

Na política, a reforma tributária, sonho comum de mercado, trabalhadores, empresários e sindicatos, foi aprovada num histórico esforço conjunto do Governo e da Oposição responsável.

Na sequência do esforço, dois partidos da Oposição negoceiam apoio parlamentar em troca de cargos no Executivo, em transações nem sempre alinhadas às melhores práticas republicanas, mas mais ou menos comuns a todas as democracias.

Pelo meio, Lula nomeou para um cargo técnico um extremista de Esquerda que vê neocolonialismo americano até na própria sombra, na tentativa de acalmar o próprio partido (e enervar colunistas e editorialistas).

No Ambiente, com fiscalização e multas, o desmatamento na Amazónia caiu 33% em cinco meses.

Na Justiça, a relação entre os poderes executivo e judicial normaliza, o ímpeto golpista acalma, a taxa de criminalidade mantém tendência de queda e o Caso Marielle, finalmente, anda.

Na política externa, a "bela" reentrada do Brasil em Washington, Pequim, Bruxelas ou Vaticano na condição de protagonista - e já não no papel de pária - só é abalada pelo "senão" das gafes presidenciais sobre Ucrânia ou Venezuela.

Em resumo, o Brasil, depois de quatro anos desgovernado, voltou a ter governo. Depois do ciclo de discussões estéreis e infantis, preocupa-se novamente com problemas sérios e adultos.

E isso é bom para todos. Menos para os correspondentes estrangeiros.

Se as vacinas já não transformam pessoas em jacaré e se o presidente atual já não interrompe conferências de imprensa para dissertar sobre a higiene peniana dos brasileiros, há menos matéria para trabalhar.

Quando o ministro da Educação deixa de ser um semianalfabeto, a pasta do Ambiente foge das mãos de um desmatador e o titular da Saúde já não é um general lambe-botas, o que escrever? O normal não vende.

Se agora o Ministério das Relações Exteriores já não odeia relações exteriores, se o ator da novela Malhação saiu da secretaria da Cultura, entretanto elevada a ministério, e se o governo decidiu até tirar o órgão de Combate ao Racismo da tutela de um racista, o país perde graça aos olhos internacionais.

Sem Bolsonaro, valham-nos os bolsonaristas anónimos para nos fazer rir: como aqueles milhares que transferiram para a conta de Bolsonaro 17 milhões de reais [3,25 milhões de euros] para ele enfrentar multas judiciais e souberam, via investigação do órgão de controlo de atividades financeiras, que ele aplicou o dinheiro todo em fundos de investimento e não pagou uma coima sequer.

E valham-nos ainda as "ações" dos bolsonaristas parlamentares: uma delegação deles, liderada por Magno Malta, senador e vocalista de uma banda de pagode gospel, foi à sede da ONU, com ar pesaroso, denunciar a violação dos direitos humanos dos detidos nos ataques aos Três Poderes de 8 de janeiro. Mas em Nova Iorque ninguém os recebeu, além de um surpreendido diplomata brasileiro, porque o Conselho dos Direitos Humanos é em Genebra. Os bolsonaristas enganaram-se na morada ou, neste caso, no continente.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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