Bolsonaro está cada vez mais solitário no mundo

Numa semana, presidente do Brasil sofre dois abalos internacionais com a saída do poder de Netanyahu e a derrota de Keiko Fujimori no Peru. Antes, perdera os amigos Macri, na Argentina, e Trump, nos EUA
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Contrário ao isolamento social no seu país, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro está a ser forçado a um isolamento político no mundo, face às derrotas consecutivas de aliados. Numa semana, ouviu duas más notícias: Keiko Fujimori, de direita, perdeu, por margem mínima para Pedro Castillo, de esquerda, no Peru; e em Israel, uma ampla e improvável coligação tirou Benjamin Netanyahu, o aliado de maior peso internacional do Palácio do Planalto, do poder. Em 2020, caíra o ídolo Donald Trump. Em 2019, o vizinho Maurício Macri.

O que significa esse isolamento forçado? "Em primeiro lugar, isso reduz um eventual apoio à uma manutenção indevida no poder de Bolsonaro em 2022 porque, tradicionalmente, golpes de estado só se sustentam a longo prazo se houver esse apoio - ou seja, ele fica isolado se tentar eventualmente uma rutura não democrática após as eleições", defende ao DN Vinícius Vieira, doutor em Relações Internacionais por Oxford e professor na Fundação Armando Álvares Penteado e na Fundação Getúlio Vargas.

"E, em segundo, no contexto interno da campanha para as eleições presidenciais vai ser muito difícil ao Bolsonaro explicar para um leitor minimamente informado como ele é o único no mundo, à exceção talvez de Viktor Orbán, na Hungria, e Andrzej Duda, na Polónia, a defender políticas internacionais radicais contrárias ao restante do mundo, talvez ele o consiga explicar aos já convertidos, especialmente na área religiosa, mas não aos outros eleitores".

O isolamento começa pela própria América do Sul, onde o Brasil supostamente deveria exercer influência. No entanto, com a vitória de Castillo sobre Keiko, a tendência é Bolsonaro ficar a falar sozinho. "A aliança Brasília-Lima poderia criar um eixo de extrema-direita na América do Sul, com potencial para atrair o interesse do combalido presidente colombiano, Iván Duque, e talvez até do novo líder equatoriano de centro-direita, Guillermo Lasso", defende em análise no jornal Folha de S. Paulo o jornalista Fábio Zanini.

"Seria uma barreira de contenção geográfica da Venezuela socialista ao norte e um contraponto à influência argentina ao sul. A virtual vitória de Castillo, no entanto, além de dar fôlego à ditadura venezuelana, deixa Bolsonaro sem ter muitas opções com quem conversar no continente".

Sobram, à direita, Sebastián Piñera, no Chile, e Lacalle Pou, no Uruguai. No entanto, moderados, os dois querem distância de Bolsonaro, cuja aproximação só os prejudica na política interna. Sobra Mario Abdo Benítez, do Paraguai, que mantém canal com o Planalto pela simples razão de o seu país ser economicamente dependente do Brasil.

"Na América Latina, depois de um breve ensaio à direita, voltamos a uma onda à esquerda e uma onda à esquerda, aparentemente, mais radical do que aquela dos anos 2000, não por culpa dos candidatos, como Castillo, no Peru, mas por conta de uma conjuntura em que até os países mais liberais, mais capitalistas, vão trazer o estado de volta, ou seja, o estado veio para ficar", assinala o especialista em relações internacionais Vinícius Vieira.

No resto do mundo, o cenário não é muito mais simpático para Bolsonaro. "Tendo em conta o desenho do mundo pós-covid, com articulações do G7 para se contrapor à China e a China procurando reagir àquilo que ela chama de ameaça exagerada ao Ocidente, o Brasil fica no pior dos mundos porque se torna pária tanto para a China como para o G7, antes tínhamos um mínimo de abertura com Trump, embora ele deixasse sempre Bolsonaro de lado e a relação não fosse nunca recíproca, agora nem isso", diz Vieira.

Para o académico, "no fundo, cumpre-se o destino proposto pelo [ex-ministro das Relações Exteriores] Ernesto Araújo "se é para sermos párias, que sejamos párias", em nome de valores exageradamente conservadores que ele defende mas que são indefensáveis e anacrónicos, sobretudo no campo comportamental, em questões como a dos direitos reprodutivos, onde o Brasil faz aliança com Arábia Saudita e as citadas Hungria ou Polónia".

"Já para não falar da questão ambiental, onde há menos canal para que o Brasil se saia bem das pressões de que é alvo, ou seja, para Bolsonaro manter a sua política o país terá agora de pagar um preço mais elevado do que há dois, três anos quando havia uma rede de populistas de direita".

Além dos chefes de estado Orbán e Duda, nas distantes, geográfica, económica e culturalmente, Hungria e Polónia, o presidente brasileiro pode contar com a influência, mesmo na oposição, de Bibi e de Trump, assim como do italiano Matteo Salvini, outro símbolo da direita apeado do poder recentemente. E há Marine Le Pen.

"Não quer dizer que o populismo de direita acabou, ainda vai dar muito trabalho, e conseguiu pautar o debate no Brasil, mesmo que Bolsonaro perca em 2022 fará sombra ao novo governo, como Netanyahu e Trump fazem sombra aos governos dos seus países e, em França, a Marine Le Pen pode ganhar, embora ela já tenha dito não querer ter nada a ver com Bolsonaro".

Outro aliado que sobra é Narendra Modi, na Índia, um conservador, nacionalista e negacionista da covid-19.

KEIKO FUJIMORI

Por margem ínfima, Keiko Fujimori, a preferida de Bolsonaro, perdeu as eleições para o esquerdista Pedro Castillo. "Perdemos o Peru", admitiu, conformado, o brasileiro

BENJAMIN NETANYAHU

Visitou o Brasil ainda antes da posse de Bolsonaro, num gesto de singular aproximação, e recebeu o presidente brasileiro em Jerusalém. Mas uma geringonça israelita derrubou-o.

DONALD TRUMP

"I love you", disse Bolsonaro um dia a Trump, que nem sempre soube corresponder à paixão. Seja como for, o americano perdeu, reclamando, para Joe Biden no ano passado.

MAURÍCIO MACRI

Bolsonaro chegou a fazer campanha há dois anos pela reeleição de Macri, de direita, que perdeu para a dupla Alberto Fernández-Cristina Kirchner, de esquerda, e próxima de Lula.

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