Bolsonaro demite um ministro a cada 53 dias
"Eu entendo que o Brasil, ao longo deste ano e no ano que vem, na inserção internacional e também na agenda nacional, precisa de uma união muito forte de interesses, de anseios e de esforços. E para que isso se faça da maneira mais serena possível, apresentei ao senhor presidente o meu pedido de exoneração, que foi atendido".
Com um curto comunicado, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pôs fim a dois anos e meio de uma gestão que colocou o Brasil na condição de pária ambiental, segundo ativistas e investidores do país e do mundo.
É o 17º ministro de Jair Bolsonaro a cair em cerca de 20 meses no cargo, o que dá uma média aproximada de uma demissão a cada 53 dias de governo.
Salles, 46 anos, sai num momento em que é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal por crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando, na Operação Akuanduba (Deus índio). O agora ex-ministro é suspeito, em paralelo, de atuar a favor de madeireiros investigados da Operação Handroanthus GLO (nome científico da árvore Ipê), a propósito de extração ilegal de madeira na Amazónia no final do ano passado.
A justiça determinou a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Salles e a entrega do seu telemóvel pessoal, o que ele só fez 19 dias depois do pedido, razão pela qual o aparelho será examinado nos Estados Unidos. Uma casa do ex-ministro do Meio Ambiente em São Paulo, o imóvel que ele ocupa em Brasília e um gabinete da pasta no Pará foram alvo de buscas da polícia.
Sob Salles, o Brasil bateu recordes de desmatamento: 10.129 km 2, de 2018 a 2019, a primeira vez que a marca de 10.000 km 2 foi superada desde 2008; de 2019 a 2020, entretanto, o número aumentou para 11.088 km 2; o desmatamento da Amazónia foi três vezes superior à meta proposta pelo Brasil para a Convenção da China; em março deste ano, a floresta perdeu 810 km 2, em abril, 778 km 2, em maio, 1180 km 2; uma área equivalente a 40 mil campos de futebol foi desmatada para permitir exploração de minérios: de 2018 a 2019, 423,3 km 2 de terras indígenas acabaram desmatadas, a maior perda desde 2008 e o equivalente a um avanço de 74% face ao ano anterior.
Em queimadas, o ex-ministro permitiu mais de 30 mil focos de incêndio na Amazónia só no mês de agosto de 2019. Em 2020, perto de 26,5% do Pantanal esteve em chamas, área dez vezes superior aos 18 anos anteriores somados. Com isso, 4,65 mil milhões de animais foram afetados.
Em paralelo, o ministério do Meio Ambiente desmantelou os institutos públicos de preservação ambiental, como o Ibama - apenas três de 938 multas aplicadas pelo organismo em 2020 por desmatamento foram pagas em 2020. Na região chamada de Amazónia Legal as autuações caíram 62% de 2019 para 2020.
Além das ações, ficou famosa uma frase de Salles num Conselho de Ministros em que sugeriu "fazer passar a boiada e mudar todas as regras e simplificar todas as normas" de proteção ambiental enquanto a imprensa estava distraída a falar de covid-19.
Depois de ter sido chamado de "pior ministro do ambiente do mundo" em revistas da área, a demissão de Salles foi aplaudida pela imprensa internacional ao longo da semana. "Apelidado de 'ministro anti-ambiental' do Brasil pelos oponentes, Salles presidiu a um forte aumento no desmatamento na floresta amazónica nos últimos dois anos (...) A renúncia de Salles ocorre durante uma investigação policial sobre alegações de conluio com madeireiros ilegais para exportar madeira da Amazónia", resume o Financial Times.
A oposição ao governo festejou a saída, por meio de deputados e senadores, assim como figuras do meio artístico, como a cantora Anitta, para quem "o meio ambiente agradece", ou o apresentador e ex-presidenciável Luciano Huck, segundo o qual "já vai tarde quem nunca deveria ter chegado".
Bolsonaro, entretanto, fez questão de sublinhar que a demissão de Salles, não se deveu à sua atuação. "Você faz parte desta história, Ricardo Salles, desse casamento perfeito da agricultura com o meio ambiente, não é fácil ocupar o seu ministério, por vezes fica apenas uma penca de processos", disse o presidente 48 horas antes da saída do seu então ainda ministro.
Para o lugar de Salles vai Joaquim Leite, seu secretário de Amazónia e Serviços Ambientais, o que deixa antever uma continuidade nas políticas. Leite foi conselheiro da Sociedade Rural Brasileira por 20 anos, representante da agropecuária, um setor frequentemente em conflito com os órgãos de proteção ambiental.
Segundo a maioria dos observadores, Salles era, entretanto, o último representante da ala programática (os detratores chamam-lhe "ala psiquiátrica") do governo. Antes, já haviam caído Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, ou Abraham Weintraub, da Educação, ambos da quota de indicações de Olavo de Carvalho, o filósofo autodidata que se declara pai da nova direita brasileira e é o guru de Bolsonaro e dos seus três filhos políticos.
A lista de 17 ministros demitidos por Bolsonaro desde a posse em janeiro de 2019 inclui o ex-juiz Sergio Moro, protagonista da Operação Lava-Jato que saiu a acusar o presidente de aparelhar as polícias e outros órgãos de forma a blindar o primogénito, senador Flávio Bolsonaro, acusado de esquema milionário de corrupção.
Na Saúde, o atual ministro, Marcelo Queiroga, sucedeu ao general Eduardo Pazuello, apontado como um dos maiores responsáveis pelas mais de 500 mil mortes por covid-19, e aos médicos Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta, que saíram do governo por não concordarem com a recomendação de remédios sem eficácia no combate à doença pelo presidente.
Destaque ainda para a saída do titular da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, arrastando consigo os chefes dos três ramos das Forças Armadas, e do ministro do Turismo, Marcelo António, como Salles com a justiça à perna por envolvimento num esquema de corrupção em torno candidaturas femininas de fachada nas eleições de 2018.