"Boa relação económica com China, mas sem abdicar de reivindicações no Mar do Sul da China"

Entrevista ao embaixador Enrique A. Manalo, subsecretário do ministério dos Negócios Estrangeiros das Filipinas, que esteve em Lisboa para uma palestra sobre a ASEAN, mas conversou com o DN também sobre o delicado equilíbrio entre ser amigo da China e manter o aliado americano.
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Fez uma palestra sobre a ASEAN no Instituto Diplomático. Mais do que o relacionamento em geral entre Portugal e o sudeste asiático, o que se pode esperar das relações entre Portugal e as Filipinas, em teoria países muito distantes?

Sim, é verdade que há uma grande distância entre os dois países, mas há também uma longa história comum. Desde o início do século XVI, portugueses exploraram as nossas ilhas. E a pessoa creditada com a descoberta das Filipinas para os europeus foi Fernão de Magalhães, um português ainda que na época ao serviço de Espanha. As relações são, portanto, antigas, mesmo que as formais, as diplomáticas, só tenham 70 anos. Tive encontros com responsáveis do ministério dos Negócios Estrangeiros e identificámos várias áreas onde já cooperamos e outras onde há muito ainda por fazer. Por exemplo, segurança e até talvez defesa. E claro economia. Porque de momento já se nota algum comércio bilateral, mas através de iniciativas a envolver as comunidades empresariais pode haver desenvolvimentos. A cooperação educacional e cultural também nos interessa. E certamente queremos ver o turismo incentivado, de um lado e do outro. Elogio nessa matéria a nossa embaixada aqui em Lisboa, que tem feito muito por esta divulgação cultural das Filipinas junto dos portugueses.

Portugal como parte da União Europeia e as Filipinas como membro da ASEAN? Que significa?

As Filipinas têm relações com os vários países da União Europeia, mas os laços históricos, culturais, até religiosos, com Portugal e Espanha, que foi nossa colonizadora, são sem dúvida especiais. Mas sim, Portugal pode ser uma porta de entrada na Europa, tal como as Filipinas no Sudeste Asiático.

Qual o papel das Filipinas hoje na ASEAN?

Como parte da região, os nossos interesses passam por promover a cooperação no Sudeste Asiático. E essa é uma das razões porque estamos na ASEAN, como mesmo um dos países fundadores, em 1967. E estávamos na presidência da organização quando esta celebrou meio século. Tirando a União Europeia, a ASEAN é a mais antiga organização regional no mundo o que mostra o reconhecimento por todos os membros da cooperação e da integração tanto quanto possível. Temos trabalhado em conjunto para garantir os interesses individuais de cada país. Assim, a ASEAN é parte chave da política externa das Filipinas. Damos um forte contributo ao seu funcionamento tanto a nível político, como económico, social e cultural.

Timor-Leste, antigo colónia portuguesa na região que partilha com as Filipinas o facto de ser de maioria católica, recebe uma atenção especial das autoridades de Manila?

As Filipinas sempre tiveram boas relações com Timor-Leste. Mesmo nos tempos mais antigos. Claro que temos laços especiais, como a religião, o colonizador ter sido ibérico, e hoje as relações bilaterais são muito estreitas. Tenho uma viagem até lá prevista para setembro. Neste momento Timor-Leste está a pedir a adesão à ASEAN e a organização está a dar passos nessa direção. Temos enviado equipas a Díli para discutir que papel, responsabilidades e obrigações teriam como membro. Essa candidatura está bem encaminhada e conta com as Filipinas. Também há relações pessoais boas entre os líderes dos dois países, remontando a quase um quarto de século.

Há 20 anos Timor-Leste, sob ocupação da Indonésia, era um dos grandes focos de tensão na região. Hoje quando se pensa em Sudeste Asiático, é a disputa territorial no Mar do Sul da China que se destaca como potencialmente perigosa. Qual é a posição atual das Filipinas?

É uma pergunta complexa, mas devo responder que as Filipinas olham para o Mar do Sul da China, mesmo junto a si, como um espaço marítimo muito importante, não só por causa de estar aberto à navegação internacional, como também por causa dos seus vastos recursos potenciais. Assim, as Filipinas têm interesse em manter a paz e estabilidade no Mar do Sul da China, mas ao mesmo tempo também mantemos as nossas reivindicações territoriais, tal como outros países. Como sabe existe uma disputa que vem de trás sobre a posse e soberania de ilhas, ilhéus e recifes no Mar do Sul da China e as Filipinas está no meio de tudo isto, somos um dos cinco países que reivindicam soberania sobre pontos diversos. E com a nossa Zona Económica Exclusiva situada em boa parte no Mar do Sul da China é inegável que é um espaço marítimo de grande importância para nós tanto do ponto de vista económico como de segurança. Mas também acreditamos que o pior que pode acontecer é um conflito no Mar do Sul da China, seja entre os países que disputam território, seja com o envolvimento de outros países. Porque são muito os países que olham para essas águas como rota comercial essencial.

Como gere as Filipinas a necessidade de boa relação económica com a China e o facto de as reivindicações territoriais dos dois países se cruzarem?

É um desafio, e é um desafio que temos de enfrentar, pois não há escolha. Precisamos de cooperar com a China, grande potência económica, pois grandes resultados dessa cooperação podem acontecer, mas ao mesmo tempo temos uma disputa com a China no Mar do Sul da China, assim como com mais três países. Por isso, ao mesmo tempo que aumentamos a cooperação económica com a China, e mantemos vários canais de diálogo, deixamos claro que mantemos as nossas reivindicações territoriais. Temos agora um entendimento com Pequim de que a disputa não impedirá o desenvolvimento das relações.

Mas sem deixar cair as reivindicações?

Nunca as deixaremos cair. O presidente deixou bem claro que mesmo com a melhoria das relações com a China, sobretudo na frente económica, não abdicaremos das nossa reivindicações. Nem desistimos de no momento adequado procurar arbítrio internacional. Para já, há diálogo com a China sobre o Mar do Sul da China para questões de segurança e nesse âmbito discutimos os incidentes que acontecem com grande regularidade e que vão contra o código de conduta estabelecido. Não deixamos de abordar as violações a esse código.

Existe esta nova relação com a China, superpotência emergente, mas ao mesmo tempo há que preservar a tradicional aliança das Filipinas com os Estados Unidos. Mais um grande desafio?

Outro grande desafio. As Filipinas e os Estados Unidos têm uma longa história comum. Chegámos a ser uma colónia americana e foram eles que nos deram a independência. E na realidade são o único país com o qual temos um tratado formal de defesa. A nossa política hoje é, ao mesmo tempo que procuramos expandir as relações com a China, não fazê-lo às custas da nossa relação histórica com os Estados Unidos. Por isso temos e medir bem como gerir o contacto com os dois países, que são também as duas grandes potências na nossa região, e fazê-lo de forma a evitar que, aconteça o que acontecer, haja algum tipo de aumento da tensão que possa levar a conflito no Sudeste Asiático. E isto tudo gerido diariamente no contexto da crescente rivalidade entre a China e os Estados Unidos.

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