Bloco central, ninguém o quer mas todos o discutem

Se a discussão deixar a especulação e rumar à realidade, percebe-se que a coligação PS/PSD ou é impossível ou inútil<br />
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O tema do bloco central está na moda. É o álibi perfeito para se continuar a discutir o vazio e adiar o debate de propostas políticas concretas. Os políticos queixam-se do desinteresse dos portugueses pela Europa, mas mesmo em contagem decrescente para as mais importantes eleições europeias são os primeiros a varrer os temas europeus para segundo plano.

Apesar de o cenário de bloco central ser improvável - desde logo pela comprovada incompatibilidade de personalidades de José Sócrates e Manuela Ferreira Leite -, os efeitos colaterais da discussão junto do eleitorado são imprevisíveis. Para mais quando muitas das posições ouvidas são sustentadas em pressupostos erróneos, como o do virtuosismo do bloco central da década 80, esquecendo, entre outros aspectos, que foi nesse período que nasceram muitos dos vícios clientelistas ainda hoje vigentes nos partidos e no aparelho do Estado.

O PSD, apesar das engasgadas palavras de Ferreira Leite sobre o assunto, é talvez o que terá mais a ganhar em manter viva a sombra de uma coligação, por enfraquecer as razões invocadas pelo PS para pedir nova maioria absoluta. Para os socialistas, no entanto, também nem tudo é negativo. A tese do bloco central é, aliás, além do joker Manuel Alegre, do melhor que o PS tem para tentar diluir a crescente subida dos seus adversários de esquerda, PCP e Bloco, a quem todas as sondagens atribuem um quota de 20% do eleitorado.

Tudo isto no plano político, o único em que tem sido debatido o bloco central. Porque se a discussão deixar o cais da especulação e rumar às águas da realidade, percebe-se que uma coligação PS/PSD ou é impossível ou inútil.

Impossível, porque isso implicaria consensos em questões tão fracturantes como a construção do novo aeroporto ou do TGV. Ou inútil, porque, como se viu em Espanha nos anos que se seguiram à adesão à União Europeia, consensos parlamentares nas políticas estruturais do País (justiça, saúde, economia, etc.) são tão ou mais importantes para assegurar um desenvolvimento estável e sustentável do que uma coligação governamental.

Infelizmente, porém, consensos em nome do interesse colectivo é moda intemporal entre os nossos responsáveis políticos, incapazes de alguma vez os porem em prática.

Cavaco Silva é a última esperança

Quando todos ganham, ninguém se zanga. E é por isso que a nova lei do financiamento dos partidos é um dos maiores consensos da nossa democracia. O único consolo é ouvir os que viveram, vivem ou sonham beneficiar das mordomias partidárias a defenderem a pureza da lei. Chega a ter graça ouvir os mesmos protagonistas que noutras ocasiões desconfiam de tudo e de todos, do Governo, da oposição, do Ministério Público, dos bancos e dos professores a proclamar o arauto das boas intenções.

Os mais envergonhados ficam calados. Outros há, como Ferreira Leite, que primeiro garantiram a entrada anónima de dinheiro para as campanhas deste ano e, depois, vieram a público admitir "aceitar um ajustamento à lei". Só lhes faltou mesmo a auréola sobre a cabeça.

Se dúvidas houvesse que o combate à corrupção e as cruzadas pela transparência são mera propaganda política, a aprovação quase unânime desta nova lei (só o deputado socialista António José Seguro votou contra) confirma-o.

Agora, resta ter esperança em Cavaco Silva. Um político que sempre soube manter-se independente das lógicas partidárias, um Presidente da República que se tem batido pela credibilidade do sistema político. Só ele poderá travar uma lei que é perigosa - pela vulnerabilidade à corrupção - e hipócrita - por dar aos partidos a impunidade que eles próprios se têm batido por retirar a outros, nomeadamente em casos como o do sigilo bancário ou do enriquecimento ilícito.

Impõe-se o veto. Qualquer outra decisão fará de Cavaco Silva cúmplice de uma lei que, tirando quem dela beneficia, todos consideram um incentivo à corrupção.

Campeões da tristeza

Os portugueses são os mais tristes e desmotivados da Europa. A conclusão de uma sondagem da The Economist é esclarecedora: 92% dos portugueses estão pessimistas quanto à situação económica, 95% estão deprimidos e mais de 50% estão insatisfeitos com a vida que levam. Suspeito que se a sondagem tivesse sido feita há dez anos os resultados seriam semelhantes. E há 20 igualmente. Tudo porque quem governa não tem sabido entusiasmar e quem é governado prefere lamentar-se a fazer alguma coisa para inverter a situação.

Dias melhores, nem vê-los. As soluções avançadas pela revista inglesa são as receitas a que Portugal é historicamente alérgico: leis de trabalho mais flexíveis, menos burocracia, força de trabalho mais qualificada e maior competividade.

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