'Blackout' ao terror?

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Ontem, vários media franceses anunciaram que vão deixar de mostrar a cara dos perpetradores de ataques de terror e, até, deixar de publicar os seus nomes. A ideia, sustentam, é evitar a "glorificação póstuma" e não "colocar as vítimas e algozes no mesmo plano". E, digo eu, tentar impedir o efeito contaminação/mimetismo.

É boa ideia? Não há nada que se possa fazer face a este fenómeno que não seja discutível e sobretudo falível. Mas tal não deve impedir-nos de refletir, de tentar. E, se quando se investiga um crime é fulcral procurar o respetivo móbil, no caso destes ataques é preciso perceber o que os motiva, quer a nível individual quer, no plano macro, do ponto de vista das organizações ou ideologias que podem estar a inspirá-los.

Sobre o que deseja a organização que tanta gente continua a denominar como ela quer ser denominada - "Estado Islâmico", tantas vezes sem sequer umas aspas - não podemos ter dúvidas: estabelecer-se, ganhar nome. Como inimiga número um do Ocidente (na verdade, de tudo o que não seja ela própria, como os seus muito mais numerosos ataques em países muçulmanos demonstram), contendora formidável e global, fornecedora infatigável e imparável de medo e morte. Ou seja, quer que falem dela e que a associem a tudo aquilo que lhe garante eficácia - todo e qualquer ato de terror, seja ordenado, organizado, inspirado por ela ou não. E para tal conta com uma admirável máquina de propaganda: a nossa. A dos nossos governantes, que correm a atribuir-lhe tudo antes mesmo de poderem saber o que sucedeu, e dos nossos media, sempre atropelando-se por breaking news, quanto mais breaking melhor, e sempre avessos a dizer algo como "não sabemos nada"; "não temos o que dizer".

O Daesh (prefiro este nome porque a organização o odeia) fez-se sucesso ao usar, como no judo, os impulsos do adversário para o derrotar. É censura, como dizem os críticos da decisão dos citados media franceses, "fazer desaparecer" quem mata? Será censura deixar de atribuir tudo ao Daesh, deixar de procurar e expor para tudo "ligações islâmicas"? Terá o efeito perverso de dar ainda mais pasto a teorias de conspiração como as de Marine Le Pen, que veio logo acusar a omissão de "servir para esconder a ligação aos muçulmanos/refugiados"?

Difícil responder. Mas sabemos (saberemos ainda?) uma coisa: noticiar é sempre escolher, interpretando o interesse público. Perguntemos, então: é interesse público incrementar a histeria, fazer o favor ao Daesh de propalar o seu nome e o seu poder, fornecendo-lhe "mártires" e "soldados" antes mesmo de este os reivindicar como seus? Diria que não; que o interesse público é não deixar que o terror nos consuma, que demagogos, cavalgando o medo e prometendo muros e apartheids, nos levem a querer pôr em causa o essencial: democracia, liberdade, igualdade, Estado de direito. Interesse público não é gritar fogo num teatro cheio. Ou terá passado a ser?

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