Black Mirror, a série que não deixa ninguém dormir

Depois de duas temporadas no britânico Channel 4, a plataforma de transmissão de conteúdos deu nova vida à "desconcertante e paranoica" história criada por Charlie Brooker
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Imagine-se um mundo onde é possível "bloquear" pessoas recorrendo ao uso de uma lente de contacto. O utilizador acede ao sistema informático e decide que nunca mais quer ver nem ser visto por alguém. Serviço acionado e agora aparece sempre um vulto vermelho no lugar da pessoa. Pense agora num mundo em que é necessária a aprovação sobre o que publica nas redes sociais. Os elementos da sua esfera de contactos têm de dar uma nota de cinco estrelas às suas fotografias e até a si próprio para poder fazer compras ou aceder a certo tipo de serviços. Se não agradar às pessoas, vai passar fome. Estes são os exemplos mais suaves da série que está a abalar os telespectadores. Através de tecnologias altamente avançadas, é esse tipo de universos que Charlie Brooker apresenta em Black Mirror (Espelho Negro, em tradução livre), hoje no catálogo da Netflix. A série, com um ritmo caracterizado pela tensão constante que causa no telespectador, não é sobre as tecnologias per si, mas sobre o uso que é dado às mesmas.

"Sou uma pessoa preocupada com tudo, e tenho muito medo do futuro. Contudo, ao escrever Black Mirror não me preocupo tanto com a tecnologia mas sim com a incapacidade que as pessoas têm em lidar com as suas potencialidades", explicou Brooker em entrevista. "O que apresentamos na série é uma visão paranoica, desconfortável e desconcertante do mundo, onde tende a haver alguém a estragar a sua própria vida." Mas esta não é uma série como as outras: os episódios não estão cronologicamente interligados, não há repetições de elenco e as duas primeiras temporadas têm três episódios cada.

As reações nas redes sociais espelham pessoas incrédulas com aquilo que acabaram de ver. É como se uma produção audiovisual tivesse poder para determinar o comportamento dos seus telespectadores. A propósito, o terceiro episódio da terceira temporada aborda a capacidade de as câmaras embutidas nos portáteis poderem gravar ou transmitir vídeo sem estarem ligadas. Não demoraram as publicações na net com fotografias de computadores com as câmaras tapadas. A este tipo de comportamento podem-se juntar as confissões dos telespectadores sobre a incapacidade de dormir depois de um episódio, ou mesmo a convicção de utilizadores ávidos da web a afirmar que vão renunciar ao uso dos aparelhos eletrónicos ligado à internet.

Black Mirror, nome que surge do facto de os ecrãs, quando estão desligados, poderem servir de espelho, teve a sua primeira temporada em 2011. Voltou em 2013, outra vez no britânico Channel 4, e teve um episódio especial de Natal em 2014.

A chegada à Netflix e o futuro

Depois de dois anos sem deixar os espectadores desconfortáveis, a Netflix encomendou seis episódios a Charlie Brooker. E a internet voltou a não conseguir dormir.

Quando se estreou na TV britânica, em 2011, a série conseguiu reunir mais reconhecimento por parte dos media do que junto do público, tendo sido aclamada em várias colunas de jornais. Black Mirror chegou a ser vendida para vários países, inclusivamente para o mercado chinês, onde foi apelidada de uma série que retratava o "apocalipse do mundo moderno". A sua qualidade, desde o primeiro episódio, foi rapidamente identificada, tendo ganho um Emmy Internacional, que premeia séries produzidas fora dos Estados Unidos.

A plataforma de transmissão de conteúdos Netflix percebeu o potencial do distópico universo criado por Brooker e quis juntá-lo à coleção de produções de excelência que tem na sua biblioteca. De resto, parece clara a aposta de Reed Hastings, diretor da empresa que começou como serviço postal de DVD, na produção e comercialização, em vez de apenas se focar na última etapa. Black Mirror junta-se assim a sucessos como House of Cards, a primeira produção exclusivamente para a internet a vencer um Globo de Ouro, ou The Crown, que retrata os primeiros anos do reinado da rainha Isabel II e que já é a série mais cara de sempre.

A estratégia da Netflix, que consiste em libertar todos os episódios de uma vez, até recuperou expressões inglesas, reavivando o verbo coloquial binge watching, que significa ver tudo de uma vez. Casos paradigmáticos desse comportamento por parte dos espectadores foram as produções originais Making a Murderer e Stranger Things. Esta série realizada pelos irmãos Duffer trouxe para a ordem do dia uma nostalgia contagiante dos anos 1980, tendo já a segunda temporada confirmada. Por sua vez, aquele documentário de 2015, que apresentou Steven Avery ao mundo, provou ser uma grande obsessão junto do público, com milhares de pessoas a assinarem petições pela libertação do norte--americano de 54 anos, que depois de 18 anos preso inocentemente foi de novo enclausurado em 2005.

Assumindo cada vez mais preponderância no mercado audiovisual, não é de estranhar a aposta da Netflix em Black Mirror, que poderá estrear-se, no próximo ano, entre os nomeados aos Emmys, os prémios mais relevantes da televisão. Agradada com o sucesso da série, a gigante norte-americana já confirmou uma quarta temporada de Black Mirror, a segunda na Netflix, também com seis episódios.

Entretanto, os rumores de que Jodie Foster seria convidada a realizar um episódio em 2017 foram confirmados por Charlie Brooker. A atriz e realizadora, que viu o seu nome eternizado no Passeio das Estrelas em Hollywood em maio passado, já tinha dirigido um episódio de uma série na Netflix - o nono capítulo da segunda temporada do drama House of Cards. A protagonista de O Silêncio dos Inocentes vai contar com a atriz Rosemarie DeWitt no elenco. Como realizadora de longas-metragens, Foster estreou-se em 1991 com Mentes Que Brilham, e tem apenas quatro filmes no currículo, tendo o último estreado neste ano.

Os seis capítulos da mais recente temporada de Black Mirror estão disponíveis desde outubro passado na biblioteca portuguesa da Netflix.

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