Bispo de Leiria-Fátima: "Se alguém tem ainda algo para dizer que o faça"
"Se alguém ainda tem algo para dizer ou para mostrar, que o faça. Até porque no final deste mês a Comissão já anunciou que vai terminar a recolha de depoimentos para efeitos estatísticos". Foi este o apelo que o bispo de Leiria-Fátima lançou, no Santuário de Fátima, horas antes de presidir às celebrações da peregrinação internacional aniversária de outubro, este ano ensombradas pela atualidade: os abusos sexuais a menores, que envolvem diversos membros da Igreja Católica, num processo em que ele próprio é acusado de encobrimento de dois casos.
Numa conferência de imprensa com dezenas de jornalistas portugueses e estrangeiros, o bispo de Leiria-Fátima recusou comentar as declarações do Presidente da República, a propósito do número de casos. "Qualquer número é sempre demasiado. Para nós, Igreja, cada caso que acontece é uma derrota. Porque alguém sofre, porque alguém foi espezinhado nos seus direitos fundamentais. Depois, porque contradiz radicalmente tudo aquilo que nós somos e queremos ser, como Igreja", afirmou D. José Ornelas.
Quando questionado pelo DN sobre até que ponto toda esta polémica afeta a credibilidade da Igreja, o bispo é perentório: "Eu não vim para a Igreja por que ela fosse perfeita. Não é e nunca será. Porque é feita de homens e mulheres como todos os outros. Isto não me faz resignar. E é por isso mesmo que é preciso transformar",
O bispo lembrou que esta "não é uma questão nova". "É uma questão que nos últimos 20 anos vem sendo trabalhada dentro da Igreja. Têm-se repensado procedimentos e têm-se traçado linhas de conduta. São casos que não têm desculpa, que nunca deveriam ter acontecido, mas penso que a constituição desta comissão independente para analisar os casos acontecidos nos últimos 50 anos, e estudar os arquivos, nos permite traçar perfis que nos permitam compreender o fenómeno aqui em Portugal. E significa um esforço grande, porque não nos conformamos com aquilo que sabemos que infelizmente existiu na Igreja. Não só em termos de casos de pessoas, mas também de comportamentos e modos de fazer".
Quanto ao número - os 424 casos até agora notificados pela comissão independente - considera que é, por si "um grande número já, porque denota e faz ver que há outros por trás".
Quanto às acusações de ocultação que o visam diretamente, refere: "Os dois casos que têm estado a lume bastante aceso, desde 2003 até agora são 20 anos. E significa também que houve uma alteração no modelo de tratamento destes casos", considera José Ornelas, recordando que ambos foram submetidos ao Ministério Público e à Procuradoria Geral da República, tendo sido arquivados. "Foi também objeto de tratamento processual dentro da Igreja, e também aí foram tomadas as medidas julgadas apropriadas nessa altura. Da minha parte posso dizer que estou tranquilo", sublinha o bispo de Leiria-Fátima, considerando que "não houve nenhum encobrimento, mas sim um tratar as coisas à luz do que se conhecia na época". "Eu nunca fui contactado pelo Ministério Público. Soube destas coisas pela comunicação social", disse.
O bispo não denota qualquer desconforto sobre o facto de presidir à peregrinação, nestas circunstâncias. "Não tenho dificuldade. Assumi responsabilidades desde o tempo do papa João Paulo II. As situações e a compreensão delas na Igreja e na sociedade foi evoluindo, nós fomos fazendo caminho, e isso deixa-me muito à vontade para dizer que sou parte desse caminho que estamos a fazer". De resto, o tema da peregrinação deste 13 de outubro é, ironicamente, "Levanta-te! Tu és testemunha do que viste".
Até ao final de setembro deste ano, o Santuário de Fátima registou a presença de 2.133 grupos de peregrinos, sendo que 1.340 são estrangeiros e 790 portugueses, o que significa mais 653 grupos que no mesmo período homólogo do ano passado. Quer dizer que os peregrinos têm vindo a regressar ao Santuário, o que é visível também nas receitas. E isso terá permitido não apenas concluir o plano de restruturação anunciado em 2020, como retomar até alguns postos de trabalho.
Outubro é, por excelência, o mês de maior presença de grupos estrangeiros em Fátima, enquanto os grupos portugueses preferem maio. Entre os grupos estrangeiros são os espanhóis que lideram, seguidos dos polacos e italianos. Logos a seguir, aparecem os grupos dos Estados Unidos da América. Quem está longe dos números pré-pandemia são os grupos asiáticos.
O Santuário está entretanto a preparar-se para receber a Jornada Mundial da Juventude, nomeadamente a vinda do Papa Francisco. Para já, ainda não se sabe a data em concreto, mas vão-se desenhando preparativos. Uma "aldeia jovem", e a criação de seis caminhos, que os jovens podem usar para chegar a pé a Fátima, para fazer a experiência da peregrinação a pé, mesmo aqueles que vêm do estrangeiro, são alguns deles. "Estes percursos variam entre uma distância máxima de 12 km e uma distância mínima de 5 km", revelou o padre Carlos Cabecinhas, reitor do Santuário.
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