Birdy. A menina é linda e voa cada vez mais alto

Podia ser mais uma ninfeta inventada pela indústria pop. Não é. Aos 19 anos lança o terceiro álbum num percurso sem falhas e encantos crescentes
Publicado a
Atualizado a

Caso o preconceito valesse como uma sentença, insuscetível de recurso e arrependimento, muitos dos que se guiam por regras rígidas dificilmente chegariam perto da música desta miúda que, ainda antes dos 20 anos (lá chegará, dia 15), já dispõe de total legitimidade para apresentar um currículo de três álbuns imaculados, a que se juntam outras aventuras que lhe valem como argumentos de coragem e de bom gosto.

[youtube:tCP6sXi33JE]

Mas voltemos atrás, ao porquê da desconfiança, que não fica, longe disso, a dever-se aos laços familiares mais próximos, que lhe garantem um pai escritor e uma mãe pianista e concertista. Estava traçado, em função dos cromossomas, um destino de artista. Confessa a própria que pensou na Pintura e rondou a Literatura, antes de perceber que o seu universo ficaria - para já, pelo menos - na região demarcada das canções. Outros aspetos polarizadores da embirração prévia? Basta escolher: começou a tocar piano aos sete, a compor aos oito, provavelmente também fala francês, revelou-se numa competição caça-talentos (o Open Mic UK, organizado pela agência Future Music Management) que venceu aos 12 e partiu para um álbum de versões, gravado aos 14. Em resumo, ficávamos diante do alinhamento cósmico perfeito para tudo dar errado.

As dúvidas começaram quando a menina - que, ainda por cima, tinha nome de flor, Jasmine, e alcunha de passaroco, Birdy, atribuída pelos pais por causa da boquinha que ela formatava para comer, enquanto bébé... - escolheu, como tema de apresentação ao mundo dos crescidos, uma canção de Bon Iver, opção tão inesperada como deliberada, na recusa de alinhar no efémero rol dos ídolos pop para adolescentes. A concretização de Skinny Love, a tal criação bucólica e arrepiante de Justin Vernon & Cª, alterou de vez a percepção do destino reservado à jovem. Ideia aprofundada pelo critério, acima de suspeita, aplicado nesse álbum de estreia (Birdy, 2011), que assistia à convivência pacífica - ou mesmo complementar - de reportório desviado aos baús dos The National, dos The xx, dos Fleet Foxes, dos Phoenix, dos subvalorizados The Postal Service e. até, do avôzinho James Taylor (uma adaptação superlativa do clássico Fire and Rain).

[youtube:m8AXUq5uA0Y]

De repente, os melómanos descobriam como uma criança podia comovê-los e convencê-los. A espiral ainda prosseguiu quando Birdy foi chamada a cantar na cerimónia de abertura dos Jogos Paralímpicos de Londres em 2012 e apresentou uma estonteante abordagem de Bird Gerhl, canção dos magníficos Antony and The Jonsons.

Geisha e sereia

Restava saber onde iria desaguar esse estado de graça, que a levava da escola ao estúdio e deste aos palcos, sem abandonar o manto protetor dos pais. Mas seria Jasmine Lucilla Elizabeth Jennifer van der Bogaerde, um nome que lhe potenciaria a aura de mistério e o palpite de que pertence de berço a uma certa aristocracia/elite caso não tivesse adotado para o percurso artístico a alcunha de infância, um raio de sol passageiro ou saberia prolongar e dilatar os seus talentos, como aconteceu, por exemplo, com Kate Bush?

[youtube:guNu0chjVgo]

O segundo disco, Fire Within (2013), superava duas síndromas de uma vez: por um lado, não esbatia a densidade e a parcimónia perfilhadas no álbum de estreia, mantendo-se um ambiente musical autónomo mas que, mediante muita insistência, até se admite não estar distante daquilo que vamos ouvindo a Florence Welch e à sua "máquina"; por outro, num enorme salto em frente, assinava, a solo ou em parcerias autorais cirúrgicas, todas as canções do álbum. Ou seja, prova duplamente superada.

Agora, chegamos a Beautiful Lies, terceiro andamento de quem já integrou duas bandas sonoras (a de Brave - Indomável, filme de animação, em convivência com os Mumford and Sons, e a de A Culpa É das Estrelas, com três canções, uma delas em "conluio" com Jaymes Young). O tom genérico não se altera, mas as canções ganham em maturidade, diversidade e, no limite, na riqueza dos "acabamentos". Um dos dados curiosos que o envolvem prende-se com uma revelação da autora - que foi escrito e composto sob a influência de Memórias de Uma Gueixa, o livro de Arthur Golden mais do que o filme de Rob Marshall. A explicação é simples: "O livro levou-me a pensar - e muito - sobre mudança e disciplina, aspectos da vida que senti muito nos últimos tempos. Estou a crescer, a descobrir novas formas de olhar para o amor, para a amizade, para a solidão, para as injustiças, até para as fantasias... Depois, de um ponto de vista mais prático, este disco é o primeiro que faço desde que me mudei para Londres e passei a viver sozinha, o que teve consequências óbvias, e nem todas banais, nos meus horários, nas tarefas (até as domésticas) e deveres, no quotidiano".

E o sorriso?

Nem quer dizer que, aqui e ali, já tenha sido completamente abandonado o imaginário infantil: no videoclip de Wild Horses, Birdy dá corpo a uma sereia que irradia sensualidade. Beautiful Lies está cheio de belíssimas pistas, da primeira (Growing Pains, onde se assinala, nem que seja por sugestão, um ambiente oriental) à última (o tema-título) das canções. E há mesmo razões válidas para nos deixarmos seduzir pelas inquietações desta mulher recente, carregadinha de inquietações (Shadow, Lost It All) e de esperanças (Keeping Your Head Up, Lifted), à mistura com reflexões amorosas (Take My Heart, Hear You Calling). Birdy parece condenada a voar cada vez mais alto e, mesmo que isso não fique visível, tem razões para sorrir. Como alguém escreveu numa canção, é "abençoada por Deus e bonita por natureza".

[youtube:ZdiaatwPB58]

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt