Biógrafo de Bolsonaro: "Ele lembra Trump e Berlusconi"

Entrevista a Clóvis Saint-Clair, o autor do livro <em>Bolsonaro, o Homem que Peitou o Exército e Desafia a Democracia</em>, um extenso perfil do novo presidente do Brasil.
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Autor do livro Bolsonaro, o Homem que Peitou o Exército e Desafia a Democracia, da editora Máquina de Livros, fala ao DN da personalidade do novo presidente do Brasil.

Para Clóvis Saint-Clair, jornalista carioca que passou pelas redações das revistas Veja e Época e atualmente é editor do Jornal do Brasil, Jair Bolsonaro não é bem visto pelas cúpulas militares, chegou a despertar interesse de partidos comunistas e só recentemente trocou o nacionalismo estatizante pelo liberalismo económico.

O seu modus operandi, diz Saint-Clair, é manter o debate sempre no domínio da emoção e não da razão porque lhe faltam argumentos bem fundamentados para discutir as questões mais importantes.

Aconselhou a levar a sério a candidatura de Jair Bolsonaro quando pouca gente ainda o fazia. Porquê?
Porque o debate político já estava polarizado desde as últimas eleições presidenciais, pouco racional e a extrema-direita já havia crescido no mundo todo, indicando que o fenómeno podia ser global.

Porque afirma que os militares gostam de Jair Bolsonaro mas as cúpulas não tanto?
Tudo começou quando ele, já capitão, publicou aquele artigo na revista Veja, em 1986, contestando a versão do exército de que um grupo de cadetes teria deixado a escola por desvios de conduta e afirmando que o real motivo eram os baixos salários. Depois ele foi identificado como um militar que fazia política dentro dos quartéis, o que não era permitido, além de procurar exercer liderança sobre os subordinados de maneira autoritária. A cúpula militar preza as hierarquias e, ainda há pouco, procurou manter uma conduta mais discreta e republicana.

Chegou a elogiar Hugo Chávez e a ser visto com bons olhos por PCdoB (Partido Comunista do Brasil) e PCB (Partido Comunista Brasileiro). Por isso diz que ele é uma figura contraditória?
Ele é contraditório mas nem tanto por esses motivos. Hoje ele já não elogia Chávez e quanto aos partidos de esquerda interessava-lhes conquistar votos nos quartéis e chegaram a ver em Bolsonaro um possível cabo eleitoral mas ele sempre se opôs ao ideário das esquerdas.

Mas a troca do estatismo que sempre defendeu por esta onda liberalizante é a última contradição?
Essa é uma contradição mais patente, sim. Ele diz-se nacionalista mas apoia o estado mínimo. Defende as privatizações, ressalva que preservaria algumas empresas, como a Petrobras e a Eletrobras, mas vai colocar um superministro da economia, com superpoderes, que defende que tudo seja privatizado.

Ele está mais para Chávez, pelo lado militar e por ser sul-americano, para Donald Trump, pela forma como foi eleito, ou para Silvio Berlusconi, por ter chegado ao poder após uma operação que dizimou os políticos tradicionais?
Ele não tem nada a ver com Hugo Chávez, que distribuiu renda na Venezuela. Pela forma como chegou ao poder lembra Trump, sim, até porque teve a consultoria de Steve Bannon na campanha, e lembra também Berlusconi, uma vez que tal como a Operação Mãos Limpas, em Itália, a Lava Jato também desmontou o sistema político do país.

Bolsonaro é "mais berro do que argumento", segundo escreveu. Ele ganhou na emoção? Ainda é o fator mais a ter em conta para se ganhar eleições no Brasil?
Penso que em qualquer país do mundo o eleitor acabe decidindo o voto mais pelo afeto do que pela razão. Ele ganhou a eleição, ao que parece, num longo processo: num primeiro momento, por meio da demonização do PT, disseminada pelos media de um modo geral, num segundo por um trabalho nas redes sociais em que aos poucos assumiu o lugar de oposição preferencial ao PT e, na base de milhares de memes, de vídeos e de fakenews distribuídos diariamente nas redes por empresários que o apoiam, fez a cabeça de milhões de eleitores que radicalizaram as suas posições em vez de refletir sobre o que estava acontecendo e o que estavam fazendo. Manter o discurso da exacerbação e o debate no paroxismo da emoção é uma estratégia de Bolsonaro para não discutir importantes questões para as quais ele não tem argumentos bem fundamentados.

Bolsonaro é produto daquele louco junho de 2013 [quando milhões de brasileiros foram às ruas protestar]?
Também. Ele aproveitou-se de um momento de frustração geral do brasileiro com o país e do descrédito com os políticos e a própria política.

O que foi mais difícil no livro?
O prazo. Apesar de ser um perfil amplo e alentado, não tive tempo de aprofundar a pesquisa e fazer entrevistas. Por isso, trato o livro como perfil, não como biografia. Não me considero, nem poderia, biógrafo de Bolsonaro.

Teve algum feedback dele ou de alguém da cúpula?
Até ao momento, não.

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