Arroz-doce e pierogi. Em cima da mesa, as duas iguarias repousam lado a lado, qual símbolo da relação entre Portugal e a Polónia. Estamos numa das salas do primeiro andar da Universidade de Varsóvia, bem perto do centro histórico da cidade, reconstruído na perfeição depois de quase totalmente destruído na Segunda Guerra Mundial. É aqui que funciona o Instituto de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos. E a ceia improvisada é um presente dos alunos do segundo ano de Estudos Portugueses..Ao todo são 12 os pratos - sonhos, salgadinhos de fiambre, sopa de beterraba, rabanadas ou bolachas de gengibre - que estes jovens trouxeram. O arroz-doce, esse foi confecionado por José Carlos Dias. Representante do Instituto Camões na capital polaca (e também em Lublin, esclarece), é ele o responsável pelas aulas de Português. E hoje pela receção cheia de iguarias..Envergonhados ao início, depressa os seus alunos se vão soltando. Gabriela, Kinga, Andrzej, Alicja, Paulina. São uma dezena. Mais raparigas do que rapazes - um clássico nos cursos de Letras. Uns conhecem Portugal - seja porque já lá foram de férias ou até fizeram Erasmus -, outros ainda têm por cumprir o sonho de visitar o país que estudam. Mas todos aproveitam mais esta oportunidade para praticar a língua..E também para explicar que quando dizem que estudam português aqui na Polónia a primeira reação é sempre: "Ah, Biedronka, Cristiano Ronaldo." Riem-se enquanto se servem da gasosa polaca Hellena que um deles trouxe. Uma garrafa vermelha e outra branca, as cores da Polónia "e o teu nome!", brincam, ignorando o "l" a mais. Mas a verdade é que já se habituaram a esclarecer quem só conhece de Portugal os supermercados da Jerónimo Martins e a sua joaninha inconfundível, o craque da Juventus ou ainda o banco Millennium BCP que o país que estudam é também as obras de Eça de Queirós, de Camões ou de Saramago. E que até já teve um império que ia do Minho a Timor. É verdade que desde que em 1790 Jacek Przybylski traduziu a epopeia de Camões que se pode ler Os Lusíadas em polaco, mas no original é sempre melhor..Muitos destes alunos já estudaram espanhol, alguns começaram pela variante do português do Brasil, mas acabaram por se deixar seduzir pelo "exótico" do português de Portugal. O objetivo? "Eu queria ser tradutora, ou intérprete, não sei ainda", avança Alicja num português excelente, com apenas alguns momentos de hesitação em que procura o apoio de José Carlos..Começar com autores do século XIX.Na Polónia desde 2002, quando decidiu sair de Portugal e se candidatou a representante do Camões "em todos os países frios", José Carlos explica que com as várias restruturações do curso, por causa de Bolonha, as coisas foram mudando e hoje há menos aulas de literatura do que há uns anos. Foi obrigada a "fazer escolha" e por isso a decisão de começar o programa com autores dos séculos XIX, uma vez que "a língua desses textos não é muito diferente da que usamos hoje em dia"..Camões teve portanto de passar a aparecer de outra forma. "Logo no primeiro ano há uma cadeira que é Introdução aos Estudos Portugueses na qual aparece Camões, Os Lusíadas, o sebastianismo, mas também Pessoa, Eduardo Lourenço, as obras traduzidas para polaco", explica..Claro que perante um programa mesmo assim extenso há sempre alguns autores e obras que agradam mais do que outros. Entre os favoritos dos alunos, José Carlos destaca as Novas Cartas Portuguesas, alguns poemas humorísticos de Alexandre O'Neil ou o Frei Luís de Sousa. Mas admite que "depende muito do aluno". O mesmo se passa com os ódios de estimação. Para muitos são as Lendas e Narrativas de Alexandre Herculano. Tanto que acabaram por "as retirar do programa há dois anos". Já o Nobel Saramago "costuma polarizar muito as opiniões", reconhece o professor..E há muitos alunos polacos interessados em aprender português? "Há quatro universidades polacas onde há cursos de licenciatura e mestrado em Estudos Portugueses: Varsóvia, Cracóvia, Poznan e Lublin", explica José Carlos. Só em Varsóvia, há neste momento uma centena de alunos a aprender língua e cultura portuguesa..Além das aulas, alguns dos alunos de Estudos Portugueses fazem também parte do grupo de teatro Pisca-Pisca. O nome ficou-lhe desde a criação em 1997 e a explicação é tão simples quanto, na altura, os alunos terem achado piada à palavra. As peças que encenam são sobretudo de autores portugueses, mas também polacos e até brasileiros ou outros. Mas sempre em português..O DN viajou a convite da Embaixada da Polónia.