Biden podia ter sido o anti-Trump e não exclui voltar em 2020

Surpreendido por Obama com a Medalha Presidencial da Liberdade, o vice emocionou-se e voltou a atacar o presidente eleito.
Publicado a
Atualizado a

No último discurso como presidente, Barack Obama garantiu ter ganho "um irmão" quando escolheu Joe Biden para seu vice. E na quinta-feira, a oito dias de entregar a Casa Branca a Donald Trump, fez questão de atribuir a Medalha Presidencial da Liberdade ao "irmão", que não conseguiu conter as lágrimas ao receber a mais alta condecoração civil da América. Com a dupla prestes a deixar os cargos, são muitos aos críticos do presidente eleito que se questionam se as coisas podiam ter sido diferentes caso Biden tivesse optado por entrar na corrida às presidenciais de 8 de novembro e conseguido a nomeação democrata em vez de Hillary Clinton. Ele, já disse "arrepender-se" da decisão "todos os dias" e recusou até agora excluir apresentar-se contra Trump em 2020.

Aos 74 anos, Biden tem sido uma das vozes mais críticas na administração Obama em relação ao presidente eleito. Já na campanha, o vice-presidente acusou o republicano de "assédio sexual", depois de vir a público um vídeo de 2005 no qual o milionário defendia agarrar mulheres e garantia que quando se é rico "elas fazem tudo o que queremos". Já depois da vitória de Trump sobre Hillary nas presidenciais, Biden recomendou-lhe que crescesse. Referindo-se às mensagens deste no Twitter e que já causaram tensões não só com figuras mediáticas americanas mas também com governos estrangeiros, como o de Pequim quando Trump admitiu ignorar a política de uma só China, seguida pelos EUA desde 1979, Biden lembrou ao presidente eleito que "é hora de se portar como um adulto".

Apesar de o próprio Biden não ter excluído, no início de dezembro, apresentar-se contra Trump em 2020 - "quem sabe onde vamos estar nessa altura?", disse na CNN - e de uma sondagem Public Policy Polling o dar como o melhor colocado entre os democratas, com 31% das intenções de voto, à frente de Bernie Sanders, o senador do Vermont que foi a surpresa das primárias, poucos acreditam mesmo que avance. "Biden faz em novembro 75 anos, o que significa que não seria propriamente um jovem candidato em 2020. Não se me afigura, por isso, como um dos nomes mais viáveis entre os democratas para a renovação que, como estas eleições demonstraram, se lhes exige", explica ao DN Mário Avelar, professor no Centro de Estudos Anglo-Americanos da Universidade Aberta.

Certo é que na quinta-feira, de medalha ao peito, Biden voltou a atacar Trump, denunciando as suas críticas em relação à secreta americana e a comparação que fez entre os seus métodos e os da Alemanha nazi. "É muito prejudicial, do meu ponto de vista, para a nossa imagem no mundo que um presidente pegue na joia da coroa da nossa defesa nacional para a denegrir."

Biden chegou a ponderar seriamente entrar na corrida à nomeação democrata para a Casa Branca. Mas em outubro de 2015, após meses de especulação, o vice-presidente decidiu desfazer as dúvidas. E foi no relvado da Casa Branca, rodeado pela mulher, Jill, e por Obama que Biden explicou que a janela de oportunidade para apresentar a candidatura "se fechou". O vice de Obama optava assim por não seguir o pedido do filho Beau, que morrera meses antes após uma longa luta contra o cancro.

40 anos marcados pela tragédia

A morte de Beau, aos 46 anos, foi apenas a última tragédia a marcar as quatro décadas de serviço público de Biden. Nascido em Scranton, na Pensilvânia, o mais velho de quatro filhos teve de lidar na infância com os problemas financeiros do pai - um empresário que depois de um relativo sucesso se teve de reconverter em vendedor de automóveis. Quando tinha 11 anos, a família mudou-se para o Delaware onde Joe estudou, dividindo o tempo entre as aulas e o futebol americano. Já formado em Ciência Política pela Universidade do Delaware, foi graças a uma bolsa que entrou em Direito na Universidade de Syracuse.

Biden ainda estudava quando casou com Neilia. Tiveram três filhos. Mas Neilia morreu em dezembro de 1972, num acidente de automóvel que vitimou também a filha, Naomi, com apenas 1 ano. Os rapazes, Beau e Hunter, ficaram gravemente feridos. Biden, que em novembro fora eleito para representar o Delaware no Senado, pensou deixar a política para cuidar deles. Mas, a 5 de janeiro de 1972, acabou por tomar posse, no hospital, onde Beau ainda recuperava.

[artigo:1068192]

A sua longa experiência no Senado foi uma das razões que levaram Obama a escolhê-lo para vice, em 2008. O resultado foram oito anos em que Biden, segundo o Washington Post, teve papel determinante tanto no plano de estímulo à economia como nas estratégias no Iraque e Afeganistão ou na missão que levou à morte de Bin Laden, o cérebro dos atentados de 11 de Setembro. Nos muitos elogios ao vice, Obama sublinhou também a sua proximidade com o povo americano, só possível num filho da classe média.

Para Mário Avelar, Biden foi ainda essencial "para o diálogo entre a Casa Branca e as duas Câmaras" do Congresso. Sublinhando o papel de negociador do vice, o académico garante que foi fundamental "no que envolveu a complexa negociação com os republicanos a nível da legislação sobre impostos e sobre as restrições à posse de armas".

Para a posteridade, além das políticas, fica a relação especial entre Biden e Obama.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt