Biden emerge como líder unificador do mundo livre contra a "tirania" de Putin
O segundo Estado da União da presidência de Joe Biden pode ter sido o último com os democratas no controlo do congresso e a liderança de Nancy Pelosi, e o presidente está bem ciente disso. Quando entrou no capitólio para discursar, precedido pelos membros do governo mais diverso de sempre, o líder democrata carregava o peso de um momento dramático na história do país e do mundo: guerra na Ucrânia, pandemia de covid-19, inflação em máximos e uma sociedade fraturada e hiperpartidária. Biden procurou responder em todas as frentes, alçando a bandeira da democracia, do orgulho americano e da resiliência da "nação mais próspera que o mundo já conheceu." Nas bancadas, membros dos dois partidos envergavam azul e amarelo e pequenas bandeiras da Ucrânia.
"Esta noite encontramo-nos como americanos", declarou o presidente, "com uma determinação inabalável de que a liberdade triunfará sempre sobre a tirania."
O líder democrata passou os primeiros onze minutos do discurso, que durou cerca de uma hora, a invectivar Vladimir Putin pela invasão não provocada da Ucrânia e a galvanizar os aliados ocidentais. O seu objetivo era claro e, segundo as análises e sondagens posteriores, foi atingido: emergir como líder unificador do Ocidente contra a tirania de Moscovo.
"Putin procurou abanar as fundações do mundo livre", disse Biden. "Ele calculou muito mal." Elogiando a resistência ucraniana e a coragem do presidente Volodymyr Zelensky, que caracterizou de "inspiradora", Biden anunciou o encerramento do espaço aéreo norte-americano a companhias de aviação russas e enumerou as duras sanções económicas e financeiras que estão a esmagar a economia russa.
Citaçãocitacao"Ele pensou que podia dividir-nos em casa e na Europa. Putin estava errado. Estamos prontos, estamos unidos", declarou Joe Biden.
"Quando os ditadores não pagam o preço pela sua agressão, causam mais caos", disse Biden. Na audiência estava a embaixadora da Ucrânia nos Estados Unidos, Oksana Markarova, a quem a primeira-dama Jill Biden abraçou em solidariedade.
"Ele pensou que podia dividir-nos em casa e na Europa. Putin estava errado. Estamos prontos, estamos unidos", declarou Biden. "Passámos meses a construir coligações para confrontar Putin, e horas incontáveis a unificar os nossos aliados europeus."
O resultado, disse o presidente, é que o líder russo está agora mais isolado do mundo do que alguma vez esteve. "Ele não faz ideia do que está por vir", prometeu.
Esta fase inicial do discurso do Estado da União surtiu o efeito desejado: Joe Biden foi ovacionado de pé várias vezes por democratas e republicanos, numa mostra decisiva de união em torno da estratégia norte-americana.
"A abertura sobre a Ucrânia foi muito eficaz", disse ao DN o cientista político Thomas Holyoke, professor na Universidade Estadual da Califórnia, Fresno. "Liderou com isso, falou da força e da resolução dos Estados Unidos e os aliados europeus, falou de Vladimir Putin não só como uma pessoa horrível, mas como um horrível louco", descreveu. "Prometeu que a Rússia vai pagar um preço terrível por isto, falou de ir atrás dos oligarcas russos e arrestar os seus iates." As ovações sinalizaram a concordância. "Nesse ponto, foi um discurso extremamente bem feito", referiu Holyoke.
As sondagens refletiram a perceção positiva sobre a questão da guerra, com 69% dos inquiridos pela CNN a dizerem que o presidente disse o suficiente sobre a Ucrânia e 30% a referirem que ficaram mais confiantes em relação à liderança no assunto.
Holyoke considerou que o discurso poderá fazer mexer a agulha. "De uma forma bizarra, a situação da Ucrânia neste momento é provavelmente um benefício para Biden."
A prestação do presidente no arranque também recebeu nota positiva dos comentadores. O analista político Van Jones considerou que o momento foi "Biden no seu melhor" e gracejou que o "tio Joe" está de volta.
"Ninguém acredita mais nos ideais da América que Joe Biden, e isso foi visível", afirmou o analista. "Fiquei impressionado com a sua energia."
Também o especialista em relações internacionais Fareed Zakaria considerou que o discurso "começou forte e acabou forte", com um enquadramento da situação na Ucrânia "muito poderoso."
Mas a avaliação do restante conteúdo do Estado da União não foi tão positiva. Depois de falar da Ucrânia, Joe Biden abordou os temas que estão no topo das preocupações dos norte-americanos, como a inflação, a saúde e a pandemia. Fez algumas afirmações decisivas, como a oposição a retirar financiamento à polícia. No entanto, os analistas consideraram que o presidente tentou encaixar demasiadas questões sem um fio condutor.
"Pareceu ser uma sucessão de prioridades legislativas, sem uma ordem em particular", disse Thomas Holyoke. "Gostaria de o ter ouvido mais a empatizar com os americanos que estão a sofrer com a inflação", continuou. "Passou demasiado rápido pelas soluções que vai implementar para lidar com ela. Não foi tão eficaz nisso."
Talvez essa dispersão explique porque é que, embora positiva, a avaliação global dos inquiridos na sondagem CNN pós-discurso foi mais baixa que no ano passado. Entre os inquiridos, 41% tiveram uma reação muito positiva (foi 51% em 2021) e 29% algo positiva. Só 29% reagiram ao discurso de forma negativa.
David Axelrod, ex-conselheiro do presidente Barack Obama, apontou que a mensagem de Biden - que disse estar mais otimista que nunca sobre a América - pode não ter ressoado. "Há muitas pessoas descontentes e não podemos apenas dizer-lhes que as coisas estão melhores que o que elas pensam que estão", afirmou na CNN. "Este não é um momento normal."
Thomas Holyoke sublinhou que Biden não passou tempo suficiente a falar dos problemas económicos nem a passar em revista os seus sucessos, como o desemprego muito baixo, a subida dos salários e a aprovação do pacote para a infraestrutura. "Ao invés, desviou-se para uma série de outras políticas", referiu. "Suponho que muitos democratas quereriam ouvir aquilo, mas os eleitores independentes, que são aqueles que Biden tem de convencer para manter o controlo do congresso, depois da parte da Ucrânia perderam o interesse."
Quem voltou a ligar no final do discurso ainda foi a tempo de ouvir palavras inspiradoras do presidente. "Este é o nosso momento para superar os desafios", disse, "e vamos fazê-lo como um só povo, como América, como os Estados Unidos da América."
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